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As falsas virgens

Nas grilhetas do relógio somos prisioneiros de uma sociedade acelerada. Tudo tem um tempo marcado e no fim, não temos tempo para nada. Nem para pensar. Alguns, por falta de hábito até já perderam essa faculdade. Assim, deixam que os outros pensem e façam um resumo, depois é só dizer… – pois, pois, é mesmo o que eu acho!

Gostaria que esta fosse uma caricatura grosseira, mas não é. Uma grande maioria da população portuguesa analfabeta cultural. Não entende o que a rodeia nem a teias em que estão acorrentadas.

É por isso que ganham peso os chamados líderes de opinião – porque preenchem o vazio de muitas cabeças e colocam ideias em muitas pessoas, que na celeridade da vida, nem têm tempo nem ferramentas para analisar os tempos que correm. É por isso que Marcelo Rebelo de Sousa era incómodo. É por isso que muitos outros, nas suas dimensões causam inquietação. É por isso que, sendo a comunicação social a projectar a grande arquitecturas das ideias, seja apetecível o seu controlo.

Estranhei toda a projecção do “Caso Marcelo”. Parece que toda a gente foi apanhada de surpresa. Parece que ninguém tinha ouvido falar de poderes que controlam os media, ninguém tinha ouvido falar de jornais “encostados” a projectos políticos, ninguém tinha ouvido falar de jornalistas comprados e jornalistas amordaçados, ninguém tinha ouvido falar de nada… Por parte do governo negaram o que puderam negar. E era pouco. E a oposição colocou as suas asinhas de anjo. Falaram como se nunca tivessem feito um telefonema para um jornal!

A verdade é que um órgão de comunicação social é assolado todos os dias com pressões e mais pressões. De todos os lados. De todos os feitios. É por isso que admiro as rádios e os jornais que se mantêm neutros e independentes. Sobretudo os regionais, mais próximos dos poderes e mais frágeis aos arremessos. Da mesma forma que abomino os “encostados” que cheios de vícios hasteiam a bandeira da integridade moral.

Na edição de 19 de Outubro, o jornal A Capital assumiu editorialmente perante os seus leitores que Bush deveria perder as eleições americanas. E justifica, dizendo que “Um jornal referencial deve saber assumir, em situações-limite, uma posição clara e inequívoca em relação a assuntos que, pela sua importância, podem colocar em causa princípios básicos…”. Não se refugiou na pseudo-independência. Adoptou uma posição clara.

Gostaria que muitos jornais assumissem esta frontalidade. Em vez de brincar às virgens, tornassem público aos seus leitores com quem vão para a cama. No fundo, tornassem transparente qual o código de ideias que advogam, qual o partido que apoiam, qual o autarca que defendem, qual o grupo de interesses que protegem. Podem começar já nas próximas autárquicas… é uma sugestão!

Nota: perguntam-me porque existem tantas pessoas da Covilhã a escrever n’O Interior, que é um jornal da Guarda. Devolvo a pergunta: porque acham que será?

Por: João Morgado

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