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«As alterações do Acordo Ortográfico pretendem resolver uma “guerra” de quase 100 anos»

Cara a Cara – Entrevista

P – O Acordo Ortográfico tem dividido opiniões. “Não mexam na minha língua” é o principal argumento. O que tem este Acordo de tão polémico?

R – O novo Acordo Ortográfico não é mais polémico que os anteriores. Simplesmente implica algumas (poucas) mudanças na ortografia da língua portuguesa. Os adultos, por uma questão de conservadorismo, são avessos a mudanças de grafia na escrita. Escrevem mecanicamente, recorrendo de modo automático às imagens gráficas das palavras conservadas na mente, que se associam às respectivas imagens acústicas da pronúncia e aos significados. Dizer a um adulto que tem de passar a escrever “ator”, “diretor” e “ótimo”, por exemplo, em vez de “actor”, “director” e “óptimo” implica um sacrifício de mudança.

P – Quais são as principais alterações introduzidas na grafia do português?

R- Haverá a supressão de certas consoantes mudas ou não articuladas em palavras como “ação” (“acção”), “direção” (“direcção”) ou “atual” (“actual”). Para além disso, está inerente uma melhor sistematização das regras de emprego do hífen nas formações por prefixação, recomposição e justaposição, adaptando-as a práticas já usuais na grafia de muitos termos técnicos e científicos. Por outro lado, suprimiram-se alguns acentos gráficos em palavras como “deem” (e não dêem), “heroico” (e não heróico) ou “joia” (e não jóia), por não fazerem falta e a fim de se melhorar a unificação ortográfica. Com o mesmo objectivo, os nomes dos meses do ano e das estações passam a escrever-se com minúscula. De resto, introduzem-se no alfabeto português as letras, K , W e Y .

P – Estas inovações poderão tornar a língua portuguesa mais “exportável”?

R – As alterações trazidas pelo Acordo visam resolver uma “guerra” que tem quase 100 anos. Portugal promoveu, em 1911, a primeira grande reforma ortográfica da língua, mas fê-lo à revelia do Brasil, o outro grande país de língua portuguesa de então, que não acatou aquela reforma, uma vez que não tinha participado nela. As tentativas posteriores não conduziram ao resultado desejado da unificação ortográfica dos dois lados do Atlântico. Espera-se agora que, com o acordo ortográfico de 1990, se consiga esse grande objectivo. A língua portuguesa adquiriu no mundo actual uma importância acrescida e este Acordo Ortográfico é indispensável para reforçar a sua presença no mundo.

P – Que outras vantagens poderão ter estas alterações?

R – Permitirão o reforço da Lusofonia no mundo, na medida em que os mais de 200 milhões de falantes do português passam a dispor de uma ortografia comum. Outra mais-valia prende-se com o reforço do lugar do português nas organizações internacionais em que o nosso idioma é língua de trabalho, e também nas escolas e outras instituições internacionais onde se ensina o português. Para além disso, o Acordo torna mais fácil e simples a aprendizagem da escrita do português nas escolas: uma criança aprenderá com mais facilidade a escrever palavras sem consoantes que não articula.

P – Serão necessários seis anos para aplicar o novo Acordo Ortográfico. O que vai acontecer neste período?

R – Para implementar um novo acordo ortográfico é sempre necessário um período largo de transição. Seis anos parece ser um período razoável e é necessário ao sistema de ensino, assim como aos editores e livreiros, sobretudo no que concerne aos dicionários e livros escolares, para se adaptarem.

P – Desde 1991 que o Acordo Ortográfico espera para “entrar” na vida dos portugueses. Como justifica esta “guerra”? Será uma questão política?

R- É evidente que este arrastar assenta em motivação de natureza política. Há uma certa ideia de “cedência”, no novo Acordo, à ortografia vigente no Brasil, como sucede, por exemplo, com a supressão das consoantes mudas. Ora esta “cedência” parece inaceitável para aqueles que consideram Portugal como o dono da língua. Outra razão política desse adiamento teve que ver com razões internas existentes nalguns países lusófonos.

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