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Artes e ofícios da tradição beirã

Uns pelo acaso, outros por gosto, ambos são artesãos que mostram e tentam vender a sua arte na Festa da Tradição Beirã e Mostra Multisectorial, no Nerga

«Num dia de Inverno, quando estava ao lume, caiu um pedaço de madeira, peguei no canivete e fiz um Cristo em miniatura», recorda José Matos, de 69 anos, de Vila Franca das Naves, explicando como nasceu a sua paixão pela arte sacra. Um autodidacta, que outrora foi chefe de estação dos caminhos-de-ferro e que só recentemente, após a reforma, descobriu esta aptidão para trabalhar peças de madeira. «Foi uma coisa muito natural», diz José Matos, «ninguém me ensinou a fazer, eu é que descobri que era capaz de fazer», acrescenta. Agora passa horas a fazer imagens de santos e outras personagens sagradas, ou presépios, tão procurados na época natalícia. «Um presépio, como este, demoro cerca de três dias a fazer», conta, apontando para um objecto todo de madeira. «A base é em oliveira e as figuras em tília, que é uma madeira mais branca», explica.

Também por acaso, Mário Ferreira descobriu a arte de talhar objectos em madeira. «Tudo começou por uma brincadeira. Um dia, quando levava as vacas para o pasto, puxei da navalha e comecei a talhar, para passar o tempo»», relembra o artesão, de 62 anos, natural de João Bragal de Cima. Depois começou a dar forma aos seus objectos e achou «piada à ideia» de fazer instrumentos agrícolas em miniatura, confessa. Entretanto já faz de tudo um pouco e utiliza outros materiais para além da madeira, como a pedra ou tecidos velhos. Faz objectos agrícolas, mas numa escala mais pequena, como o arado, ancinho, gadanha até à recriação da matança do porco. «É uma forma de retratar a tradição da minha terra e ensiná-la aos mais novos», frisa Mário Ferreira. António Machadeiro tem uma história diferente, pois herdou do pai o gosto e a sabedoria, no entanto, só há pouco tempo pôs em prática toda essa sapiência. Estucador de profissão, António Machadeiro, de Vale de Espinho, nunca pensou em seguir os conselhos do pai, mas agora, por motivos de saúde, foi obrigado a deixar o seu emprego. «E quando o meu pai faleceu decidi continuar o seu trabalho», revela com orgulho o artesão, de 61 anos.

«A primeira peça que fiz foi um tornado», recorda António Machadeiro, mas depois a arte estendeu-se para outros objectos, como forcões, touros ou mesmo praças de touros, tudo relacionado com a zona raiana de onde é natural. Mas como a tradição já vem de gerações, António Machadeiro ambiciona fazer um museu com estas peças e até já tem o espaço, «um antigo estaleiro que estou a restaurar», adianta. «Ainda falta algum tempo para tudo estar pronto, mas é um sonho que vou concretizar», assegura. Já António Feiteiro, 67 anos, trabalha a madeira desde os 14 anos. Aprendeu com um velho mestre da sua aldeia, no concelho de Gouveia, «que ainda hoje está vivo», sublinha António Feiteiro, de Aldeias. Faz todo o tipo de artesanato em talha, como restauros ou cópias de antigos mobiliários. «A última cópia que fiz foi de um original com mais de 200 anos», sublinha, explicando que esta arte é o seu meio de subsistência. Apesar da crise financeira que assola o país, e em particular o interior, António Feiteiro, não tem motivos de queixa e diz mesmo que tem «sempre muito que fazer».

Patrícia Correia

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