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Aristides Sousa Mendes

Editorial

1. Fez esta semana 43 anos que Richard Nixon se demitiu na sequência do escândalo de Watergate. A maioria das pessoas nem sabe o que ocorreu ou o significado daquele que foi um dos momentos mais relevantes da política internacional dos tempos modernos. Mas seria bom que os políticos, todos os políticos, conhecessem o Watergate. Desde logo pelos pontos de contacto com aquilo que se passa na Casa Branca com Trump, mas essencialmente pela forma como os poderes atuam, onde quer que seja, de forma controladora e persecutória em relação a todos os que criticam, interrogam ou põem em causa as governações. Tal como Trump, Nixon tinha uma obsessão sobre as fugas de informação e aquilo que era publicado na imprensa, de tal forma que “montou” uma equipa de “canalizadores” para acabar com as fugas, até que a polícia apanhou os instaladores a colocar microfones numa sede do partido democrata em Watergate, em Washington (há quem pense que a demissão de Nixon teve a ver com água…mas não, teve a ver com o controle de informação e a perseguição à imprensa). A Casa Branca com Trump tem a mesma obsessão: perseguir os jornalistas. Por isso, neste momento, o secretário de Justiça faz ameaças aos jornalistas com intimações judiciais para revelarem as suas fontes de informação, contrariando as regras básicas da deontologia, a liberdade de imprensa e a Primeira Adenda à Constituição americana, como nos recordava há dias o Rui Cardoso no “Expresso”.

É sempre bom recordar o caso Watergate. Nixon perseguiu a liberdade de imprensa e caiu porque, em última análise, o arbítrio de um sobre a liberdade de todos perdeu. Porque, nas sociedades ocidentais, a liberdade de imprensa, mesmo demorando, acaba por triunfar sempre sobre o opressores da liberdade de expressão. Porque, em última instância, nas sociedades ocidentais, ninguém aceita ser oprimido. Mas as liberdades, mesmo nos mais democratas dos estados, mesmo nos países modelo de liberdade, estão sempre a ser postos em causa, como se vê nos Estados Unidos e em tantos outros países livres. Por isso, temos de estar sempre vigilantes e atentos. Por isso devemos sempre recordar o caso Watergate – mas se nos Estados Unidos a liberdade de imprensa imperou e fez cair um Nixon obsessivo em relação ao que sobre ele se escrevia na imprensa – noutras latitudes os opressores dominam e destroem a liberdade e a imprensa.

2. Dia 26 de agosto será inaugurado o centro museológico “Vilar Formoso Fronteira da Paz – Memorial aos Refugiados e Cônsul Aristides de Sousa”. Será um dia de homenagem ao beirão Aristides de Sousa Mendes, mas também a Vilar Formoso, onde durante o verão de 1940, chegaram milhares de refugiados vindos de França e de outros países europeus invadidos por alemães, salvos pela assinatura do cônsul de Bordéus, que desobedeceu às instruções de Salazar e, por motivos de consciência, escolheu passar milhares de vistos que permitiram a “fuga” de milhares de pessoas que de outra forma teriam sido encaminhadas para campos de concentração nazis.

O Memorial guarda, em Vilar Formoso, o espólio e a memória de sobreviventes de um período negro da história da humanidade. E homenageia o povo anónimo de Vilar Formoso que, como nos conta Margarida Magalhães Ramalho, no livro “Vilar Formoso – Fronteira da Paz”, alojou e partilhou «a pouca comida que tinha» com as milhares de pessoas que chegaram durante esse verão à fronteira portuguesa.

Os ditadores dominaram o seu tempo, mas o heróis, os que passam à história com vénia e aplauso memorável, os que merecem lágrimas e carinho dos vindouros, são os que defendem os valores do humanismo e da liberdade.

Luis Baptista-Martins

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