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“Apinto” Final

É algo cómica a forma como alguns têm comentado os castigos produzidos no âmbito do “Apito Final”. Há quem veja no caso uma velada retaliação dos clubes de Lisboa à hegemonia portista das últimas duas décadas. Por exemplo António Barreto (in “Público” do passado domingo). O Porto, diz-se, ou sugere-se, não podia continuar a passear impunemente a sua superioridade sem a reacção dos rivais. É claro que este argumento tem como pressuposto a falsidade das acusações e a injustiça dos castigos. Ou, ainda, o pressuposto de que o Porto nada mais fez que os outros não fizessem – o que demonstra mais uma vez a injustiça do seu castigo.

Estes argumentos têm vícios de construção evidentes: se o Porto nada mais fez que os outros não fizessem também, então há que apurar o que fizeram em concreto os outros, que em relação ao FCP já temos uma ideia e, em relação àqueles (não castigados) nada há, por enquanto, de palpável; nada, ou pouco, se diz entretanto sobre as acusações ao FCP – não se dá uma explicação cabal para a visita de um árbitro a Pinto da Costa, dias antes de apitar (sugiro aqui o neologismo “apintar”) um jogo importante do próprio FCP. Uma infeliz coincidência? Uma amável reunião entre cavalheiros acima de qualquer suspeita (e Honny soit qui mal y pense?) em que, entre dois conhaques se comentava: “vejam como somos honestos: você vai apitar (“apintar”) o nosso jogo e nós aqui, sem qualquer maldade, a beber conhaques”. É verdade que à mulher de César não basta ser honesta, necessita também de parecê-lo, e em consequência não pode nunca, mesmo que involuntariamente, mesmo que em toda a sua inocência, mesmo que injustamente, parecer a grande prostituta da Babilónia. E em relação a aparências estamos conversados.

Há outros argumentos. Onde, dizem, pode haver corrupção se não se demonstrou a falsidade do resultado? Se não ficou evidente o benefício do FCP (visitado dias antes na pessoa do seu presidente pelo árbitro do jogo), que até nem precisou da ajuda do ilustre visitante. Quanto muito, dirão, é tentativa de corrupção. Esta, a não ser que se prove o benefício concreto, nunca se materializou. O problema do argumento tem a ver com o efeito placebo. Dão a um doente uma pastilha de farinha e açúcar e dizem-lhe que acabou de tomar um medicamento de ponta, que irá debelar em poucas horas a sua doença. Pouco depois fica curado – e a água ou o açúcar estão totalmente inocentes. É como na história do nosso árbitro: nada fez e nada precisou de fazer, bastava que se soubesse, de um lado e outro, que tinha visitado antes do jogo o presidente de um dos clubes. Os jogadores deste iam jogar com uma confiança acrescida, iriam meter os “pitons” com confiança e sem medo de cartões amarelos; os outros conheceriam de antemão a inutilidade dos seus esforços. Todos sabem a importância no desporto dos níveis de confiança e motivação. Podemos também todos imaginar o que é jogar à vontade, sabendo que há um árbitro que nos protege se for preciso. Não se pode provar que ele roubou porque não foi preciso – mas bastou ele estar lá, de apito vendido, à espera da sua oportunidade, a ser esta necessária.

Leva-nos isto à maior e à mais cruel das perguntas: teria o Boavista sido campeão, não fossem as ajudas da arbitragem?; teria havido esse domínio do FCP, sem as “tentativas” de corrupção? Nunca o saberemos. Mas, pior, agora para os adeptos do clube, nunca eles próprios o saberão.

Por: António Ferreira

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