Acabam as férias, recomeça o trabalho, as aulas, o movimento rotineiro que gera o stress. É mais um ciclo anual, que se irá juntar à sequência de ciclos anteriores, cuja acumulação se resume à própria vida.
Pensemos em cada ciclo como um livro, que se acrescenta a uma pilha de livros, cuja construção se inicia no primeiro ano de vida. Essa pilha tem necessariamente uma forma, uma espessura. É-lhe inerente, obviamente, um conteúdo.
Imagino pilhas intermináveis de livros, com alturas diferentes, distribuídas por grupos sociais. Penso na forma como cada livro altera o conteúdo da pilha, como cada pilha se organiza no grupo e interfere nesta biblioteca sem móveis.
Vejo pilhas em que os primeiros livros se deformaram, onde a massa dos ciclos posteriores pesa demasiado. Vejo pilhas altíssimas mas muito equilibradas, apesar da diversidade da forma e tamanho dos livros. Vejo, no entanto, um grande número de pilhas cuidadosamente erigidas, com livros em série, tipo volumes de enciclopédia na vertical, e descubro aí uma grande parte da classe actualmente activa. Descubro aí jovens que encontraram finalmente um trabalho, formaram uma nova família, têm o primeiro filho e que empilham anualmente manuais de sobrevivência. Descubro a apatia, talvez justificada pelas dificuldades diárias, mas também a passividade e constante opção pelo caminho mais fácil. Vislumbro a falta de informação, de espírito crítico, a ausência de intervenção social e a aversão, talvez justificada, pelas questões e decisões políticas. Imagino que, na mesma pilha, se sobrepõem livros repetidos. Imagino livros em branco que servem apenas para aumentar o inevitável peso da pilha. Parece-me até que, em alguns casos, se empilham caixas de papelão, que imitam muito bem as lombadas de livros de 500 páginas, qual epopeia cheia de vigor… vidas vazias, é o que é.
Todos os dias, cada um de nós contribui para formar esta biblioteca. Perante esta visão, apelo, em particular aos jovens, grande parte da actual e da futura classe activa, que neste início de ciclo parem para reflectir. Imaginando que é nesta cidade que vão viver os próximos anos, pensem qual será o futuro deste lugar, que interfere decisivamente no futuro de cada um. Não, não vale a pena desesperar. É urgente pensar que cada pessoa pode contribuir para alterar essa visão assustadora do futuro. Apelo a que se informem, que formem opinião, que intervenham, que tomem consciência de que têm capacidade de escolha, que participem activamente nas questões públicas, que gritem sim ou não com convicção. Apelo, também, aos jovens políticos que ganhem alguma consciência política, que hajam com princípios, que formulem objectivos em prol do interesse público, que se apercebam da mediocridade do meio em que se movem e que tentem mudá-lo, em vez de se deslumbrarem e estupidificarem ainda mais.
Apelo a que cada um tente fazer mais e melhor, a que se valorize o conteúdo de cada livro, de forma a enriquecer esta biblioteca. Apelo a que se desvalorize a encadernação.
Por: Cláudia Quelhas