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O “barco do aborto”

A cada dia que passa se tornam mais nítidos os contornos autoritários e ultra-reáccionarios deste governo PSD/PP. O último episódio prende-se com a proibição da entrada em águas nacionais do navio-clínica da organização holandesa “Woman on Waves” alegando desrespeito da legislação portuguesa e perigo para a saúde pública. Salazar não teria feito melhor.

Vejamos então o que pretende esta ONG com esta iniciativa que já passou por outros países como a Polónia e a Irlanda, e porque é que o Governo resolveu mobilizar nada menos do que quatro ministros para aniquilar os seus potenciais efeitos. Os objectivos passam pela realização em território português de debates e informação em matéria de direitos sexuais e reprodutivos que estavam e estão previstos com parlamentares e diversas organizações portuguesas e europeias. Simultaneamente, esta organização pretende proporcionar a todas as mulheres que o desejem a possibilidade de interrupção voluntária de gravidez até às seis semanas e meia através da pílula abortiva RU-486. Este método, não cirúrgico, é autorizado pela agência Europeia de Medicamentos, considerado como altamente seguro e comercializado na maioria dos países da União Europeia, como sejam a vizinha Espanha, a França ou o Reino Unido.

No fundo, o grande objectivo desta saudável iniciativa é colocar a nu uma lei absolutamente retrógrada que contraria todas as recomendações das mais prestigiadas instituições internacionais em matéria de saúde reprodutiva e de direitos das mulheres (Nações Unidas, Parlamento Europeu e, mais recentemente, a Organização Mundial de Saúde aquando da sua 57ª Assembleia. Uma lei hipócrita que ignora o flagelo do aborto clandestino e representa um verdadeiro atestado de menoridade intelectual a todas as mulheres, como se as mesmas não fossem capazes de decidir responsavelmente, abortando sistematicamente de forma leviana ou por razões fúteis. Uma lei fundamentalista que pretende impor à totalidade da população portuguesa uma concepção filosófica e religiosa sobre a vida humana que carece obviamente de sustentação científica.

Em vez de proibir de forma autoritária a livre expressão de ideias e a troca de opiniões, sujeitando-se ainda por cima a uma eventual admoestação do Tribunal Europeu de Justiça, penso que o Governo faria melhor em acordar para a realidade, enfrentando o problema de frente, e evitando mais julgamentos chocantes de mulheres, que por não terem meios para recorrer a clínicas espanholas, tiveram que abortar em condições muitas vezes sub-humanas numa situação de total desespero.

Miguel Viegas, Trinta, Guarda

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