Arquivo

Ao Deus dará

Alterações profundas na ocupação do território pelos serviços do Estado fazem com que hoje, um pouco por todo o país, existam ao abandono e numa degradação acelerada, milhares de imóveis património do Estado ou de entidades por si tuteladas, sendo um péssimo exemplo para os proprietários privados e um desperdício de recursos para o Tesouro e para a economia.

Nenhuma região do país fica fora deste levantamento, sejam casas de Serviços Florestais, estações de caminho-de-ferro, escolas, casas dos cantoneiros da ex-JAE, tesourarias e repartições de Finanças, edifícios públicos de toda a natureza, quartéis militares, terrenos agrícolas e florestais, etc, etc…

Tal como nos privados e na sociedade civil, o Estado não sabe o que tem e onde tem e, Governo após Governo, não quer ou não pode inverter a situação.

O que é mais grave – e nos territórios de baixa densidade isso é bem sentido – é que há muitos interessados em dar utilidade económica e vida a muitos desses terrenos e edifícios, sejam autarquias ou instituições, mas particularmente cidadãos empreendedores que querem investir.

Abrir mão desses imóveis tinha um conjunto de vantagens: desde logo a obtenção de receitas com a sua alienação, depois a dinamização da economia local com as obras de reabilitação, a sua utilização como espaços do turismo da natureza e a criação de postos de trabalho.

A venda poderia mesmo ser condicionada à utilização dos espaços para fins turísticos ou outros por um determinado período de tempo.

O que se passa em áreas protegidas com as casas dos antigos Serviços Florestais é ainda mais penoso para a imagem de um Estado amigo da natureza.

No distrito da Guarda, seja no Parque Natural da Serra da Estrela ou na Reserva da Serra da Malcata, são dezenas de edifícios, todos eles de grande valor arquitetónico, onde o Estado não faz nada nem deixa fazer aos muitos interessados.

O caso, que conheço bem, do edifício onde durante décadas funcionaram os Serviços Florestais de Gouveia, antiga residência de um grande industrial de lanifícios, rodeado de frondosa mata, bem localizado à entrada da cidade, é para mim emblemático da postura irresponsável e burocrática dos serviços do património. De tanto quererem defender o tesouro, acabam por delapidar a esperança e a coragem de muitos potenciais investidores.

Há interessados para ali executar um projeto turístico, mas “é mais fácil acabar com a guerra na Síria do que adquirir aquele prédio”. Está tudo dito sobre o labirinto legal que envolve toda esta temática.

Como cidadão com particulares responsabilidades, continuarei a reclamar junto do Ministério das Finanças por uma estratégia para o património do Estado “ao Deus dará” e a abertura de um processo concursal de alienação desses imóveis, condicionando a sua utilização a fins uteis à economia e ao emprego e dando prioridade aos localizados no interior, e em áreas protegidas por razões económicas, demográficas e ambientais.

Por: Santinho Pacheco

* Deputado do PS na Assembleia da República eleito pelo círculo da Guarda, ex-Governador Civil

Sobre o autor

Leave a Reply