A Guarda comemora esta semana os 817 anos sobre a concessão do foral por D. Sancho, em 1199. O Dia da Cidade é um bom momento para refletir a realidade, para discutir ideias e projetos, para falar da vida da urbe, do presente e do futuro. E normalmente é isso que ocorre. Este ano, porém, não se discute nada de substancial na Guarda – não se discute o futuro e nem sequer o presente. Com a cidade cada vez mais vocacionada para a feira de vaidades autárquica, para o efémero fogo-de-artifício, para o festejo de coisa nenhuma, tudo é extraordinariamente fátuo. Na Guarda de hoje tudo passa e nada fica, nada brota, nada…
Já houve um tempo em que a cidade se engalanava para celebrar o aniversário com grandes expetativas de progresso e mutação. A mudança aconteceu, mas não medrou, não transformou, definhou em pouco tempo. Passado o entusiasmo inicial, regressa o cheiro lúgubre de uma cidade dilacerada pela desesperança. Mais uma festa, por entre tantas… mas o que os guardenses querem, mesmo, é acreditar, ter esperança de que podem ficar, de que não terão de partir, porque há futuro aqui. Há? Como? Onde estão as ideias novas? Onde estão os projetos aglutinadores que nos poderão assegurar sustento? Que caminho estamos a seguir? Onde estão as âncoras prometidas? O que foi feito para lá do ruído do arraial? Que luzes nos chegam para lá da iluminação de Natal? Que trovas nos cantam para lá do habitual e desprezível cantar da cigarra? Que vemos? Nada… Nada de sustentável! Tudo é completamente efémero, mesmo quando até gostamos dos holofotes das televisões ou dos espetáculos. Tudo é circo, e com papas e bolos se enganam os tolos. Da promessa de abertura, «rápida», do Hotel de Turismo à atração de empresas e investidores, tudo continua a ser uma quimera. Quando se aguardava uma metamorfose, tivemos mudanças de pormenor, de forma e de circunstância – algo é algo – mas precisamos de muito mais. Resumir três anos de mandato do atual executivo da Guarda à construção de uma rotunda (a da Luz, e bem), à decoração de outras quatro que já existiam (mas não seriam bonitas…), à plantação de semáforos e flores, às festas (sejam do Dia de Portugal ou de outro dia qualquer) e acrescentar umas feiras (numa cidade onde houve uma grande feira do artesanato, a Beirartesanato) e tantas feiras sectoriais (que outros deixaram morrer, é verdade), é uma enorme desilusão. Uma desilusão para os guardenses, para os que aqui vivem, aqui investem, aqui trabalham e aqui gostariam de garantir futuro dos filhos; e para os que partiram, que partiram mas levaram a Guarda no coração, e quando voltam ficam dilacerados pelo atropelo à natureza, às tradições, à cultura, às memórias e ao património de afetos que vai sendo destruído em nome de coisa nenhuma, ou em nome da mais ignóbil das ideias: que governar é fazer obra, «gostem ou não, queiram ou não», mesmo que isso implique governar contra as pessoas – e nenhuma cidade pode ser governada contra as pessoas, deve ser administrada num amplo compromisso com as pessoas, com os cidadãos (e ser cidadão é precisamente isso: ser o indivíduo que convive em sociedade, no gozo dos direitos civis e políticos de um estado livre; com os seus direitos e obrigações). Depois de 817 anos, a Guarda precisa de ser amada como é e pensada estrategicamente para o futuro, mas não contra o presente, não contra o peso de uma herança extraordinária. Essa seria a nossa cidade, mesmo que com menos luz, mas com mais futuro para os seus filhos.
Mal vai a terra, a vila ou a cidade, onde depois do entusiasmo do acreditar, chega a deceção, o desalento, a desilusão – e o desânimo está de regresso à Guarda e não há festa que o dissimule.
Luis Baptista-Martins