O sol continua a brilhar, num tempo nada comum para esta época do ano, e as nuvens que pontualmente povoam o céu insistem em manter fechada a torneira da chuva, indiferentes às preocupações de quem, cá por baixo, desespera por água. No último fim-de-semana, choveu pela primeira vez em quatro meses, mas ainda assim em muito pouca quantidade.
As consequências observam-se nos dados divulgados há dias pelo Observatório de Secas do Instituto Nacional de Estatística: mais de metade do território continental (53 por cento) está já em seca extrema, enquanto os restantes 47 por cento estão em situação de seca severa. Números que, segundo o Ministério da Agricultura, podem ainda subir para 77 por cento de seca extrema e 23 por cento de seca severa ainda este mês se os valores de precipitação continuarem muito inferiores ao normal. Recorde-se que o índice utilizado para medir a dimensão da seca tem nove níveis, dos quais a seca extrema representa o nível mais grave. Os setores da agricultura e pecuária são os que sentem de forma mais direta os efeitos da seca.
Paulo Poço, diretor técnico da Acriguarda (Associação de Criadores de Ruminantes do Concelho da Guarda), fala numa «situação péssima». «As culturas de outono/inverno estão seriamente comprometidas, nomeadamente ao nível dos cereais que fazem parte de uma primeira alimentação dos gados», refere. As pastagens de sequeiro também estão comprometidas, porque «as primeiras chuvas fizeram com que houvesse germinação, mas a seca encurtou o ciclo e não se chegou a gerar semente», acrescenta. Segundo aquele responsável, «houve agricultores que apostaram nesse tipo de pastagem, que custa cerca de 700 euros por hectare, para reduzir os custos de produção e neste momento perderam esse dinheiro».
Paulo Poço chama ainda a atenção para o facto do preço das forragens aumentar diariamente, «falando-se mesmo na possibilidade dos espanhóis das zonas mais próximas da fronteira cortarem nas exportações porque também aí há dificuldades». Se tal vier a acontecer, os fardos terão de vir de mais longe, «o que implicará um maior gasto de combustível e, consequentemente, um preço muito mais elevado», alerta. Em termos de rações, «o problema é também muito grave, com os preços a aumentarem semanalmente», adianta. Nestas circunstâncias, a venda de animais é cada vez mais inevitável para os criadores. «Mas não é solução, porque o produtor vai ficar altamente penalizado devido aos compromissos que tem, nomeadamente ao nível das ajudas. Se vender, terá penalizações, e se falarmos em raças autóctones, pode ser obrigado a repor o dinheiro que recebeu há cinco anos. É uma situação dramática», avisa Paulo Poço.
Mas há outro problema em perspetiva: «Há produtores que, se venderem, perdem a sua única fonte de rendimento que têm. Com tudo isso, haverá menos dinheiro a circular e a economia da região, que assenta em grande parte no setor primário, vai ressentir-se fortemente», considera.
Animais «vendidos ao desbarato» devido à especulação
António Louro, presidente da Acriguarda, diz que o tempo tem de «mudar radicalmente», porque «com chuva razoável ainda haveria esperança para os centeios e aveias, que estão verdes e ativos, e para os lameiros, solos mais baixos e mais fundos. Já as pastagens da parte alta, como os fenos, estão comprometidos por muito que chova a partir de agora», revela. Este produtor diz-se esperançado relativamente aos apoios governamentais, mas acrescenta que «falta saírem do papel e entrarem em prática». António Louro sabe, no entanto, que «o dinheiro que vier terá de ser devolvido» e avisa que, «por motivos culturais, o produtor da região não gosta de pedir dinheiro emprestado, preferindo desfazer-se de tudo do que ficar a dever à banca».
O presidente da Acriguarda antevê, por isso, o surgimento de «muitos animais no mercado», o que levará à especulação e consequente desvalorização. «Muitos animais poderão ser vendidos ao desbarato, mesmo depois do investimento dos produtores no apuramento genético», receia. Por outro lado, considera que «o verdadeiro drama» para agricultores e produtores da região só agora está a começar. «Ainda não estamos a gastar as palhas que precisamos para o verão, porque armazenamos para gastar até princípios de março, e a partir daí contamos com a pastagem natural e com o que semeamos. Sucede que este ano não vamos poder contar com isso», refere.
Culturas permanentes podem vir a sofrer no verão
José Assunção, presidente da AAPIM (Associação dos Agricultores de Produção Integrada dos Frutos de Montanha), afirma que «ao nível das espécies permanentes, o problema começa a ser preocupante».
O responsável salienta que atualmente «as culturas estão em floração e precisam de humidade para se desenvolverem, mas devido à falta de chuva estão a entrar em stress hídrico, com todos os inconvenientes que daí advêm, como a redução da produção e os encargos adicionais com a rega». É precisamente o recurso à rega que está a preocupar José Assunção, pois «pode trazer consequências mais à frente, porque a água que está agora a ser usada estava armazenada para o verão. Estamos a regar as plantas num período em que não era suposto gastar água e a continuar assim deixará de haver recursos hídricos para regar em junho ou julho», alerta.
O presidente da AAPIM dá ainda conta da preocupação dos agricultores com o facto de não haver água no solo, o que «compromete também as novas plantações, pois não há humidade suficiente para que sejam bem sucedidas». E exemplifica: «Os solos estão de tal forma desidratados que até abrir sulcos na terra se torna difícil». O responsável diz que todas as espécies estão a ser afetadas, mas que os casos mais importantes prendem-se com a cerejeira e o pessegueiro, já em floração, e também a macieira e a vinha, cuja floração está prestes a começar. «A manter-se esta situação de seca, a planta em si não irá morrer, mas a produção anual nessas espécies vai ficar seriamente comprometida», declara.
E já nem mesmo a chuva pode salvar a situação, porque «as coisas têm de vir no seu tempo e há ciclos que devem ser respeitados», afirma, declarando que «uma chuva permanente provocaria danos na floração e agravaria o problema». Por isso, o presidente da AAPIM reclama da parte do governo uma intervenção mais atenta. «O ministério já devia estar no terreno, junto das organizações de agricultores, a estudar formas de minimizar os efeitos da seca, até porque é esse o seu papel», defende.
Bruxelas antecipa pagamento de ajudas diretas
O Conselho de Ministros do Ambiente dos 27, que reuniu na terça-feira, decidiu antecipar o pagamento de 300 milhões de euros de ajudas comunitárias aos agricultores portugueses para 16 de outubro.
«No total, Portugal recebe de ajudas diretas cerca de 600 milhões de euros, sendo esta uma antecipação de 50 por cento desse valor já para outubro», disse o secretário de Estado da Agricultura, José Diogo Albuquerque, que representou a ministra da Agricultura em Bruxelas. Esta medida vem juntar-se ao conjunto de ajudas diretas aos produtores pecuários aprovada na passada semana pelo Ministério da Agricultura, no valor total de 90 milhões de euros, e que prevê, entre outros apoios, uma linha de crédito para o apoio à produção animal, a aceleração do reembolso do IVA pelo Estado, a concentração dos pagamentos por conta relativos a 2012 numa única prestação e ainda uma isenção «muito significativa» dos pagamentos à Segurança Social.
Um outro montante de 45 milhões será antecipado, a nível nacional, para abril e maio, ao abrigo do Programa de Desenvolvimento Rural, para pagamento de medidas agroambientais e para regiões desfavorecidas.
Fábio Gomes