No Domingo passado fui à Igreja e assisti a uma homilia muito agradável, interessante e acima de tudo pedagógica. Abordava-se o tema da desertificação, da pobreza da e na agricultura, do esforço dos que remam contra a maré, dos que persistem. Falava-se das aldeias com casas degradadas e abandonadas, dos que partem e não regressam, das infra-estruturas caras e de baixa rentabilidade. Mas naquele domingo o espaço foi pequeno para acolher tanta gente e tão diferente, de tal forma que a porta de acesso ao piso superior foi aberta. Sua Excelência Reverendíssima, o Bispo da Guarda, fazia a análise fria mas real do país e principalmente desta região sempre em perda.
Enquanto falava libertei a minha imaginação, e deixei-me levar. Como teriam sido estas terras cheias de agitação, a fervilhar, com os homens a regressar dos campos, com animais a encher as ruas, sedentos a disputar um espaço no fontenário em busca da água fresca, os carros de bois movimentavam-se gemendo enquanto as rodas saltitavam no granito irregular, o burro ia subindo a calçada com esforço transportando a refeição dele de um lado e a dos donos no outro. As crianças saíam em grande alvoroço da escola, despreocupadas davam vivas à liberdade bem merecida depois de um dia inteiro de contenção e obediência.
De pensamento em pensamento, tentei imaginar o dia em que aquela gente partiu, que peste ou sofrimento, que ambição ou sonho os obrigara a abandonar aqueles espaços únicos, aquela vida de sacrifício mas de equilíbrio familiar, aquele mundo que por ser pequeno era só deles, onde só as figuras do regedor e do presidente da junta, os lembrava que para além daquele espaço havia um Governo e com ele um Estado.
De volta ao presente, percebia quanto esta aldeia é diferente, ao contrário das aldeias vizinhas, e como tem invertido a tendência. Vemos casas recuperadas no miolo da aldeia, outras em projecto de recuperação, a aldeia tem de novo vida e saiu do marasmo. O projecto da ASTA na aldeia da Cabreira é um exemplo de como se pode investir preservando as identidades e como se pode trazer de novo vida produzindo e neste caso concreto produzindo com arte. Naquele Domingo as ruas encheram-se de gente, alguns como eu ávidos de conhecer, de entender a forma como aquela Instituição se inseriu no ambiente rural e na aldeia então moribunda. Nunca haveria a mesma liberdade se tivessem optado pela cidade e muito menos pela capital.
Os últimos Censos trouxeram-nos números ainda piores e mais preocupantes do que os que percepcionávamos para a região. Em 10 anos perdemos imensa população no distrito e para além do regresso a casa dos emigrantes velhos e cansados, não houve capacidade para atrair e fixar outras gentes.
Seria de esperar que a Guarda, enquanto capital de distrito, absorvesse e estancasse a sangria que se registou nos concelhos mais pequenos, contudo a Guarda foi incapaz de o fazer, e essa é a realidade. A Guarda decresceu em meios de produção e consequentemente em oferta de emprego. Na realidade foram as escolas, foram os serviços, foram as fábricas que fecharam, enquanto a agricultura subsiste agonizando, enquanto recebe os subsídios cada vez mais raros.
Ao contrário de outras capitais de distrito o movimento migratório extravasou largamente as nossas fronteiras. A isto chama-se incapacidade de fixar população por falta de atractividade. Mas ainda há outra análise possível, mais negra, em que fomos recebendo a população dos concelhos vizinhos que continuam a desertificar e fomos deixando fugir os residentes da Guarda ainda em maior quantidade do que os 3% conhecidos. Claro que a relação entre a mortalidade e a natalidade, favorece a primeira, o que é natural se analisarmos o escalão etário predominante, fazendo do nosso distrito um dos mais velhos do País.
Os nossos governantes com aquela vontade de centralizar próximo das grandes metrópoles as maiores e mais produtivas empresas, e aquela dificuldade em entender o que é a agricultura, são responsáveis pelos movimentos que assistimos com emigração e migração, mas convenhamos que o poder local nem sempre fez as melhores apostas ou quando as fez atrasou-se ou alguém os fez atrasar. Há quem teimosamente afirme que o tempo das grandes fábricas e empresas acabou, mas vamos percebendo que ainda persistem, só que emigraram ou migraram para outras bandas.
Quem conseguir inverter esta tendência e recuperar os meios produtivos no interior, ganhará por certo o próximo Nobel da economia.
Foi um domingo bem passado, que precisa de réplicas na nossa região.
Por: João Santiago Correia
Este texto foi escrito de acordo com a antiga ortografia.
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