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Adultescência

Num artigo da última New Yorker, que traduziria por “Podres de Mimados”, Elisabeth Kolbert conta a história de uma antropóloga que foi fazer trabalho de campo para o Amazonas peruano com uma tribo primitiva aí residente. Decidiu acompanhar uma família numa expedição, rio acima, para recolha das folhas de uma específica palmeira com que essa tribo faz os telhados das suas cabanas. Um membro de outra família, chamada Yanira, pediu para os acompanhar e assim fez, nos cinco dias da expedição. Yanira foi incansável: limpava as esteiras em que dormiam, duas vezes por dia, pescava e fazia-lhes o jantar, ajudava a recolher as folhas de palma que eram, afinal, o pretexto da expedição. Yanira, não sei se vos disse, tinha apenas seis anos.

No resto do artigo Elisabeth Kolbert compara esta menina com os meninos da Califórnia, que considera serem os mais mimados da história da humanidade. A crer nela, não passam de pequenos monstrinhos, acumuladores de brinquedos, gadgets e roupas, viciados em jogos de vídeo e escravizadores dos próprios pais. Para além disso, claro, não há nenhuma tarefa doméstica que se lhes possa impor ou que eles saibam minimamente cumprir. Estes pais, coitados, acabam por não obrigar os filhos a fazer nada porque a energia física e emocional despendida nesse esforço é muito superior à que eles próprios gastariam a executar a tarefa – enquanto os filhos continuam tranquilamente o jogo de vídeo em curso.

A coisa evolui, que essas crianças vão ser adolescentes e jovens adultos e um dia vão sair de casa para a universidade e enfrentar o primeiro verdadeiro choque da sua vida. É que na cidade distante onde vão viver não está, para resolver os comezinhos problemas de logística do dia-a-dia, como comprar pão e leite, descobrir e registar os horários das aulas, comprar livros, tratar da roupa e do resto, essa unidade orgânica multiusos chamada mamã, ou papá.

A coisa evolui ainda, que as unidades orgânicas sugadoras de recursos, de tempo, de energia e de nunca suficientemente retribuído amor paternal, chamadas “filhos”, vão um dia chegar à idade adulta e descobrir que não conseguem sobreviver a não ser naquele sítio com um frigorífico bem fornecido, internet gratuita, necessidades básicas garantidas, chamada “casa dos pais”. E é assim que temos hoje, disseminados por todos os países “civilizados” do mundo, mas não naquela tribo peruana, adolescentes com quarenta anos de idade.

E é tudo por esta época. Regresso em Setembro.

Por: António Ferreira

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