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Adão e Erva

Extremo Acidental

Logo no início da Bíblia (Gen 2:17), Deus, uma das personagens principais do livro e a única que se mantém ao longo de toda a narrativa, fala com Adão que, como se pode ler no diário popularizado por Mark Twain, estava ainda meio atolambado, e diz-lhe para nem pensar em comer o fruto “da árvore da ciência do bem e do mal” (segundo a versão actualizada de João Ferreira de Almeida) porque, quando o fizer, morrerá.

Na verdade, a consequência da ingestão do fruto dessa árvore não levou Adão à morte, mas apenas à expulsão do Paraíso. Neste primeiro indulto da história penal, Deus deu aqui um mau exemplo àqueles pais que ameaçam os filhos com um castigo aterrador – dois dias sem telemóvel ou tablet – e acabam por fixar a pena em “não podes ver vídeos da Ana Malhoa no YouTube”.

Deus voltaria a fazer uma brincadeira parecida com Abrãao, ao mandar matar o filho mais velho, modificando a ordem à última hora (Gen 22:12). Menos sorte teve a mulher de Lot, que olhou para Sodoma e ficou transformada em sal (Gen 19:26). Já Lot dormiu com as duas filhas e nada lhe aconteceu (Gen 19:32-36). Pelos vistos, não é só a justiça portuguesa que tem critérios pouco claros e definidos.

A parábola bíblica sobre o fruto da árvore da sabedoria tem sido interpretada como análoga à da caixa de Pandora. A voragem pelo conhecimento e a vontade da descoberta podem acarretar grandes desgostos e enormes tragédias. Serão os belos mitos arrepiantes metáforas? Bem escreveu Eça de Queiroz: “Sobre a nudez crua da verdade, o manto diáfano da fantasia.”

Termino com um episódio autobiográfico. Na madrugada do último domingo para segunda-feira tive um sonho onde se discutia a existência de Deus e, a existir, se Sua Divindade teria tido alguma influência no falhanço do Bryan Ruiz em frente à baliza escancarada do Benfica. Quando acordei, tinha uma virose que me impediu de comer durante todo o dia. A Bíblia já tinha avisado. Se comeres a o fruto proibido, vais ver como elas te mordem. Se te armares em espertinho, nem uma maçã conseguirás engolir.

Por: Nuno Amaral Jerónimo

* O autor escreve de acordo com a antiga ortografia

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