A tragédia que na semana passada ocorreu na Guarda com a morte de uma bebé no ventre de uma mãe na Maternidade do Sousa Martins provocou a maior consternação e foi notícia nacional.
Tecnicamente terá havido o descolamento súbito da placenta, o que nos obriga a recordar que o nascimento de uma vida, um parto, encerra em si mesmo perigo de vida e que a natureza ainda funciona de acordo com os cânones naturais que nem sempre são controlados pela tecnologia. Num tempo em que se define o nascimento de uma nova vida, em que se decide quando se engravida e quando se pare, em que o planeamento familiar permite gerir o ter filhos e quantos, em que parece que a tecnologia e os médicos têm capacidade de controlar todos os incidentes da natalidade, convém não esquecer que o nascimento de um novo ser, o gerar e o parir, tem riscos e pode não ser tudo controlável. Mesmo num tempo em que a taxa de mortalidade infantil, em Portugal, passou a ser extraordinariamente baixa, a fatalidade pode ocorrer.
Porém, o caso da passada semana terá tido muitas nuances para além de uma complicação “natural”. A grávida, de 39 anos, terá ocorrido de urgência à obstetrícia da Maternidade da Guarda onde terá ficado durante hora e meia à espera de ser vista por um obstetra. Perante esta informação, facilmente todos os holofotes apontam para o médico e para os serviços. O que terá ocorrido? Como é que um médico que está no serviço de obstetrícia demora hora e meia a ir ao encontro da parturiente que se encontra, em sofrimento, numa sala no mesmo serviço, a apenas uma dezena de metros? Ou será que o médico, afinal, não estava no serviço, onde deveria estar? Ou não estava no hospital, onde se supunha estar? (O Conselho de Administração apressou-se nessa manhã a fazer uma conferência de imprensa, para a qual não convidou este jornal, para aparecer nas televisões, com o Presidente do CA, de forma atabalhoada tentar justificar o injustificável e explicar sem saber o que ocorreu. Triste figura a de Carlos Rodrigues ao prestar-se a falar para as televisões sem antes ter reunido toda a informação. E triste figura a de um CA em que o diretor clínico não estava presente num momento em que seria quem mais e melhor poderia explicar as circunstâncias do acidente.)
A acusação de negligência médica pela morte do bebé que deveria nascer nos próximos dias é a consequência óbvia do que ocorreu naquela fatídica manhã. Porventura, não havia «nada a fazer», porque a medicina não controla a natureza e os médicos não fazem milagres, mas negligência médica é, precisamente, ser negligente e não fazer ou tentar fazer tudo o que é possível.
Como consequência deste triste desfecho, com negligência médica ou não, a guilhotina volta a estar sobre a Maternidade da Guarda. Nos próximos tempos este acidente trágico será muitas vezes recordado por aqueles que defendem o encerramento de maternidades no interior – aliás, na SIC-Notícias, o ex-bastonário da Ordem dos Médicos, José Manuel Silva, sem conhecimento concreto das circunstâncias, foi perentório: não podem continuar a funcionar três maternidades «a poucos quilómetros» e com poucos nascimentos «naquela região». O Hospital da Guarda tem de ser devidamente defendido com a prestação de serviços de saúde de qualidade às populações, mas para isso não podem ocorrer situações como a da passada quinta-feira.
Luis Baptista-Martins