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A Velha Receita Autárquica

As campanhas autárquicas são todas iguais e as gestões autárquicas são cada vez mais parecidas umas com as outras. Quando faltava fazer tudo, era fácil e sabia-se o que se tinha de fazer: fornecimento de eletricidade e água canalizada, esgotos, estradas decentes para todos os pontos do concelho. Depois, à míngua de dinheiro e estando cumprido o essencial, tivemos a época das inaugurações e reinaugurações de fontanários e outras obras menores. A seguir, veio o dinheiro da União Europeia e dos fundos de coesão e construiu-se com uma sofreguidão insaciável. Foram os pavilhões “multiusos”, as bibliotecas, os “centros de interpretação” de tudo um pouco, as piscinas municipais, as vias de cintura interna e externa (e em quatro faixas, se faz favor). E também as rotundas, já agora – eram baratas, tinham visibilidade e produziam efeito prático.

Hoje já não há, aparentemente, grande coisa a fazer, depois de todos estes anos. Por isso, para mostrar serviço, os autarcas apostam agora na receita das “requalificações”, anunciadas com pompa e circunstância, e que não passam de trabalhos de manutenção em equipamentos pré-existentes, e dos eventos, que não passam na sua maior parte de “show off” para labregos fáceis de enganar. Também aqui a ementa é igual de norte a sul: “noites brancas”, feiras medievais, “sunset” disto e daquilo, animação de rua a propósito de todas as efemérides do calendário, feiras, mostras, etc. No final, fora os inconvenientes da logística da coisa, como as ruas cortadas e a falta de estacionamento para quem trabalha, o saldo não é notável.

O ciclo eleitoral começou a confundir-se com o tempo do mandato. O planeamento de um e outro obrigavam e obrigam as inaugurações a ficar para o ano em que o mandato termina e os últimos meses concentram o foguetório com que costuma terminar a festa da aldeia, com uma girândola final multicolor.

Isso é tudo muito divertido e muito agradável à vista, para quem goste, mas o eleitor mais atento costuma ter outras prioridades: quanto paga pela água em comparação com o que se paga nos outros concelhos da região; quanto paga de IMI, de derrama, de taxa de esgotos, de que percentagem de IRS abdica o seu município em favor dos munícipes; quem está a ganhar dinheiro à conta do município e se essa despesa se justifica – pois serão os seus impostos a pagar o grosso da fatura; se a autarquia ganhou ou perdeu habitantes e se as políticas autárquicas foram relevantes no resultado; como evoluiu a taxa de desemprego, comparada com os números nacionais e da região. É verdade que quer também ver resolvidos os problemas do trânsito ou do estacionamento, e exige a devida manutenção das infraestruturas instaladas, mas isso, dirá qualquer um mais esclarecido, são as tarefas básicas de qualquer autarquia e ninguém tem direito a medalha por fazer aquilo a que se obrigou.

Por: António Ferreira

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