Em face da sua actualidade, permitam-me retomar um texto que por aqui escrevi sobre Álvaro Cunhal. Sempre ouvi elogiar este distinto dirigente comunista pela sua pela sua coerência. Com o passar dos anos, manteve sempre os seus ideais, a linha do seu pensamento, apesar de… ser completamente contraditado pelo mundo. Manteve-se fiel ao seu espírito, apesar da “queda” do Muro de Berlim, da decadência soviética, da implosão dos sistema económico marxista e de tudo quanto contrariou as suas teses. Cunhal, como uma fria estátua de pedra, permaneceu imóvel, contra todas as tempestades, enquanto todo o mundo rodava ao contrário dos seus olhos. É isto “coerência”?
Penso que não. Para mim, “coerência” é algo mais que uma teimosia ofuscada, mais que um bater do pé obstinado, mais que uma birra ideológica.
O homem tem direito a mudar com o mundo. Tem direito a incorporar no seu entendimento novas experiências e a construir novas matrizes de pensamento. É quase obrigatório mudar o pensamento, quando confrontado com novos paradigmas, novos modelos sociais e políticos.
Eu não penso como pensava há 20 anos. Vivo uma realidade social diferente da herdada dos meus pais, entrei para a universidade, entrei no mundo do trabalho, conheci novas pessoas, ganhei novas figuras de referência, trabalhei com pessoas marcantes, ganhei a experiência do meu próprio trajecto de vida… Hoje sou um homem diferente e penso de maneira diferente. Isto significa falta de coerência? Penso que não.
As pessoas podem e devem evoluir no seu pensamento. Mas se é certo que Cunhal cristalizou a sua filosofia política, também é certo que mostrou ser um homem de convicções fortes, um idealista que lutou e sofreu na carne pelos seus valores. E nem a dor física o levou a renegar a sua causa.
Álvaro Cunhal não foi um democrata de secretaria. Soube gizar o seu percurso e suportar as agruras da caminhada. Não caiu na tentação de se meter por desvios duvidosos. E se hoje é passível de criticas – como todos nós – a verdade é que deixou a memória de uma coluna vertebral bem direita a fazer sombra a uns bonecos articulados que por ai andam…. Encontrou agora a “cidade da utopia”, em que todos são iguais! Descanse em paz!
Nota: Faleceu Eugénio de Andrade, o homem que me despertou para a poesia pelas suas palavras cristalinas. Palavras simples mas onde despertam em cada leitura, emoções, matizes e sonoridades. Resta em sua homenagem, pegar nos livros que nos deixou como herança… e ler poesia em voz alta!
Por: João Morgado