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A tradição nas mãos do sapateiro do D. Sancho

O sapateiro mais antigo da cidade da Guarda tem 86 anos e vai continuar de “portas abertas” até se «enfadar»

O ofício de sapateiro ainda se faz como antigamente no número 21 da Rua Rui de Pina, no centro histórico da Guarda, onde há quase meio século José Augusto ocupa os seus dias entre arranjos e criações. Natural de Carapito de São Salvador (Guarda), José Augusto estreou-se nas lides do calçado com «15 ou 16 anos», quando começou a trabalhar para um sapateiro daquela localidade. Vários anos depois abriu o seu negócio na Avenida dos Bombeiros Voluntários Egitanienses, já na cidade, mudando-se em 1965 para o espaço onde se mantém até hoje.

«O meu cliente mais antigo é o D. Sancho», ironiza o sapateiro, acrescentando que «já lhe quis “passar” a loja, mas ele não quer», numa alusão à continuidade do seu comércio tradicional. Sem nunca largar um sapato ou uma bota, José Augusto, de 86 anos, vai revisitando a memória a cada engraxadela: «Já vi esta parte cheia de comércio, empresas grandes, ruas cheias de gente; mas hoje não há cá ninguém», lamenta, assegurando que «para a zona velha ter movimento é preciso um parque de estacionamento». Também a procura de clientes tem vindo a baixar «um pouco», mas nada que preocupe quem já está habituado às incertezas próprias da vida: «A crise é conforme o tempo, é como tudo», reitera José Augusto, justificando que, «da maneira como isto está não há dinheiro, logo não há quem compre».

Apesar da longevidade, o sapateiro mantém a humildade e a vontade de trabalhar uma “arte” que o acompanha há cerca sete décadas e assim continuará: «Tenho gosto no que faço e preciso, só trabalha quem precisa», justifica. Contudo, o comerciante acredita que a tradição da sua profissão, e de outras, tem “os dias contados”: «Isto é pobre, não é para toda a gente, pois querem enriquecer no momento e aqui é preciso trabalhar», avisa o sapateiro mais antigo da cidade. Os trabalhos que lhe vão solicitando passam sempre pelas suas mãos – que conhecem o calçado tão bem quanto as próprias palmas –, sendo que usa as máquinas apenas para «dar uns pontos quando é preciso», sublinha. No entanto, a experiência que tem não esmorece a vontade de aprender: «Estamos sempre a aprender, é conforme o serviço», realça José Augusto, que já perdeu a conta ao calçado que reparou mas não esquece os amigos que passavam pela sua loja. «Foram muitos e já partiram quase todos», adianta, sublinhando que continuará a ser sapateiro até se «enfadar, nessa altura deixo isto e vou para casa».

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