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A tradição ainda é o que era na Mizarela

Jovens da aldeia do concelho da Guarda continuam a acender o madeiro na noite de Natal, tal como faziam os seus pais e avôs

À meia-noite do dia 24 pouca gente na Mizarela resiste a ir até ao Largo da Igreja. Tudo porque os jovens solteiros da aldeia, que este ano fundaram o grupo “Amigos do Fogo de Natal”, teimam em manter viva a tradição do “fogo”, a forma como designam o acender do madeiro, que atrai todos os que consoaram na terra e alguns visitantes. Segundo relatam os mais velhos, esta é uma prática que já tem mais de 200 anos e que os mais novos prometem continuar a preservar.

Todos os domingos do mês de Dezembro até ao Dia da Consoada são passados a recolher lenha nos baldios da freguesia para o madeiro de Natal. Mas nada de levar tudo a eito. «Identificamos primeiro as árvores a cortar e damos prioridade aos pinheiros tortos e castanheiros velhos e aproveitamos para limpar a mata», relata Ricardo Sousa, de 26 anos. O jovem orgulha-se de preservar esta tradição secular na sua aldeia, recordando que, antigamente, «vinham buscar a lenha a pé». Agora, apesar da vontade em ajudar continuar a ser a mesma, há mais facilidade no transporte, facilitado por carrinhas ou tractores. Também a moto-serra é uma preciosa ajuda. De resto, por tradição, «eram só os solteiros que vinham, mas como são cada vez menos começam a vir também alguns casados ajudar», frisa Daniel Rebocho, 24 anos. O “benjamim” nestas andanças é mesmo o Serafim Silvestre, de 15 anos, que apesar de confessar que «gostava que houvesse mais pessoal» da sua idade a ajudar, garante que se sente «bem» entre os mais velhos que o ajudam neste “baptismo”.

Comum a todos os tempos, é o garrafão porque um “copito” sabe sempre bem. Reunida a lenha considerada suficiente, na véspera de Natal metem “mãos à obra” e começam a montar o “fogo” para que no final tenha a forma de um pinheiro, já que «nós montamos peça por peça e não é só colocar a madeira num molho e pô-la a arder», ressalva Hermínio Fernandes, de 31 anos. Espetada a “forcalha” no adro da Igreja, os jovens começam a encaixar toda a lenha com o “pinheiro” improvisado a atingir, por vezes, «mais de 10 metros de altura». Depois de composto o madeiro, os jovens partem em romaria por toda a aldeia, porta a porta, pedindo lenha miúda, palha, dinheiro, vinho, uma chouriça ou carne. «Tudo o que vier é bem-vindo e a população costuma aderir sempre bem», indica Germano Pereira, de 24 anos. Reunidos todos os ingredientes para uma noite bem passada, e depois do jantar, as pessoas vão-se juntando no Largo da Igreja.

À meia-noite em ponto deita-se o fogo ao madeiro, o sino começa a tocar sem parar e há quem comece a entoar músicas de cariz religioso, relacionadas com o Natal. Um dos primeiros que começa a cantar é Maximiano da Costa, que do alto dos seus bem conservados 92 anos, recorda que «às vezes chegava a andar 15 dias com os ombros feridos», tudo porque a lenha era «toda trazida ao lombo» e «já o meu pai e o meu avô fazia o mesmo», recorda. «Às vezes bebíamos lá uns copos a mais e apanhávamos uns entalões, mas voltávamos lá sempre», assegura. De resto, quando questionado se ainda bebe um “copito” junto da fogueira, a resposta não se faz esperar: «Oh se bebo!», garante, soltando uma sonora gargalhada.

Na noite de Natal será recuperada uma tradição que já havia sido perdida. Junto ao “fogo” será colocado «um pipo de vinho, aberto a todos os que se queiram servir, como acontecia antigamente», refere. Os “Amigos do Fogo de Natal”, constituído por 17 rapazes solteiros da Mizarela, montaram também um presépio público no Largo da Igreja. Já este sábado, promovem também um baile aberto no salão da Casa do Povo. Têm ainda um blog na Internet para quem quiser ficar a conhecer as tradições da aldeia, em www.afnmizarela.blogspot.com.

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