No mundo editorial actual, escritor não é aquele que escreve, mas o que escreve e é publicado. Portanto, é a edição o que, em primeira instância, homologa a identidade do escritor, ao recair nela a pertinência necessária – ainda que não suficiente – para poder ser investido como tal. Ora, numa economia de mercado, a edição requer capital e alguém que o detenha – o publisher – no sentido que a palavra adquire em inglês: o que dispõe de meios para converter um discurso privado num discurso público. A outra figura tradicional da actividade editorial – o editor – pode reunir a condição de publisher, mas a sua função é outra: selecciona, prepara e revê os textos, funcionando por vezes como uma espécie de conselheiro-interlocutor para o autor.
Sobretudo para aqueles que ainda não encontraram o seu lugar ao sol no mercado editorial, mantém-se o sonho de publicar os seus textos sem depender da decisão do publisher. E é um sonho razoável, pois não parece justo que o filtro do que é editável dependa de uma figura pautada por critérios económicos, ainda que lhe seja reconhecida alguma idoneidade artística. No entanto, não tenhamos dúvidas: nos dias que correm, por muito que os nostálgicos insistam em encarar o livro como um simples diálogo entre o autor e o leitor, essa comunicação nunca é directa. Entre ambos existe um espaço onde é o publisher que fala mais alto. Sendo a sua voz cantante e sonante. O sonho de pôr de lado o publisher já vem de há muito. Contudo, recentemente levou um empurrão considerável. É que a Internet propiciou um espaço ao alcance de todos os orçamentos: o ciberespaço.
Há quem delimite à partida este novo espaço de publicação, afirmando que acabará por não passar de um depósito inter subjectivo, onde a ilusão de publicar não passa de uma ilusão plurinarcisista. Não obstante, é evidente que a edição digital tornou-se um sério suporte de publicação de conteúdos. Ainda que, não é difícil imaginar, seja o capital – por via dos grandes portais ou domínios – o que acabará por regular e hierarquizar o tal sistema de homologações. Deste modo, a ciberedição concentrar-se-ia nas mãos dos novos publishers digitais, naturalmente coadjuvados pelos editores para as tradicionais tarefas editoriais. No entanto, a afirmação desse sistema de edição ciberespacial talvez clarificasse alguns mal-entendidos que têm vindo a ensombrar a tradicional e aparentemente inquestionável identidade dos escritores. Ora, do ponto de vista económico, na verdade não é o publisher quem paga ao autor, mas sim este quem paga ao primeiro, pelos serviços prestados (impressão, promoção, distribuição, gestão), mediante contratos nos quais o autor cede à editora até 90% do que produziu, conformando-se em reter somente 10%, ou menos, sob a forma de direitos, com ou sem o correspondente adiantamento. A referida confusão é provocada pelo tempo económico em que o intercâmbio se produz: o autor, que não dispõe de capital, paga antes e cobra depois. No cenário aqui traçado para o futuro, não antevejo que venha a acontecer qualquer alteração significativa a este esquema de homologação editorial. No qual, aparentemente, é o capital que cria trabalho, quando, na realidade, sucede precisamente o contrário.
Detalhes
1. Dar a ler. Porquê dar-se a ler o que quer que seja? Merecerão as descobertas, as preferências próprias de cada leitor, exposição? Pretenderá esse gesto ganhar o valor de uma universalização do gosto (pessoal)? Pretenderá quem dá a ler o texto de outros apresentar-se como modelo de valorização? Tudo perguntas que são becos. Ler é repercutir. Dar a ler é dar ao movimento. Se o texto estava imóvel e na sombra, a exposição a outros olhos deslocou-o. Se o texto for vibrante e o corpo do leitor vibrátil, então algo de novo acontecerá.
2. O sublinhado é literalmente a linha que se coloca por debaixo da linha emaranhada das letras. Ele diz: compreendi-te, desensarilhei-te, estendo-te sobre esta linha, porque algo me dizes, e talvez te ame. Ou: quero voltar à tua intensidade.
Por: António Godinho