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A Tempestade Perfeita

Passou há uns anos atrás um filme de Wolfgang Peterson, “The Perfect Storm”, com George Clooney, Diane Lane e Mary Elizabeth Mastrantonio. A tese era que a “tempestade perfeita” se formava aproveitando as sinergias de várias tempestades, surgidas em pontos diferentes do Atlântico Norte, e que acabavam por se juntar numa só, esta de dimensões colossais. George Clooney acabava por sucumbir a forças maiores que a sua coragem e determinação – era demasiado falível, demasiado vulnerável, demasiado humano. Agia como sempre tinha agido e não percebia que estava numa situação excepcional – e isso foi, no fundo, a sua perdição.

O filme é uma metáfora perfeita do Mundo de hoje. Várias grandes tempestades ameaçam confluir numa só e ninguém parece estar a perceber o que se passa. A crise ambiental mostrou brutalmente ao Mundo o que o nosso modelo de civilização estava a fazer. Era indispensável diminuir de imediato as emissões de dióxido de carbono, de forma a que o aquecimento global não aumentasse mais de seis graus em relação ao que seria normal, sob pena de colapso da nossa civilização. Foi assim que se criou a “Ecotax” sobre os combustíveis, com o objectivo de, encarecendo o principal factor do aquecimento global (os combustíveis derivados do petróleo), diminuir o seu consumo.

Entretanto, centenas de milhões de chineses saíam da pobreza e acediam à classe média. Não sabemos se incentivados pelos filmes de Hollywood, começaram a cobiçar vivendas ajardinadas e carros, sobretudo carros. Em 2005 chegavam às estradas chinesas 14.000 carros novos por dia e licenciavam-se, nesse ano, 500.000 engenheiros (todos desejosos de começar uma família e comprar uma casa e um carro). Estes números só tendiam a aumentar nos anos seguintes, e aumentaram mesmo. A China, para que conste, não impôs uma “ecotax”.

Surgiu, paralelamente à climática, outra tempestade: a do crédito imobiliário. Não tinham nada, aparentemente, a ver uma com a outra. A não ser o facto de terem ambas nascido dos excessos consumistas do Ocidente. A solução para a crise climática passou pela utilização dos solos para produção de biocombustíveis – os hidrocarbonetos, ao serem queimados, libertavam dióxido de carbono para a atmosfera, tal como os biocombustíveis. Mas estes tinham a vantagem de, na fase de crescimento das plantas que constituíam a sua matéria prima, ajudarem a eliminar o dióxido de carbono já libertado na atmosfera. Não era perfeito, mas ajudava a aliviar a consciência.

O problema foi que, entretanto, por causa da diminuição de terrenos disponíveis para a agricultura, necessários para a produção de biocombustíveis, passou a haver diminuição na oferta de alimentos e aumento do seu consumo (é que a classe média chinesa passou a gostar de carne) e, naturalmente, do seu preço. Preço este agravado pelo aumento dos custos de produção, incluindo combustíveis, e falamos outra vez de petróleo. Chegamos assim a mais uma crise, agora a dos combustíveis e proponho que resumamos a situação da seguinte forma: os alimentos estão mais caros, os combustíveis estão mais caros e temos crédito mais difícil e mais caro. A culpa, como de costume, dizem camionistas e taxistas, é do governo. Talvez por uma vez tenham razão, e até por defeito, que a culpa pode ser de todos os governos do mundo – nem que mais não seja por não terem previsto o que vinha a caminho.

É por tudo isto que as lutas lançadas por camionistas e pescadores são totalmente fúteis e vão ter como único e evidente efeito o dano que vão causar a todos nós.

Por: António Ferreira

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