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A sobrevivência da espécie

Nos Globos de Ouro ia quase toda a gente vestida de preto e muitos farão o mesmo na entrega dos Óscares. O pretexto é o assédio sexual e o negro é o luto por anos e anos de abusos e violência sexual sobre as mulheres da indústria do espetáculo. Mas há mais noutros campos, como no desporto e, como muitas mulheres menos mediáticas sabem, no trabalho, na escola, na rua.

Uma nova-iorquina experimentou há tempos passear o dia inteiro pela sua cidade com o objetivo de contabilizar, e registar, as propostas sexuais e abordagens indesejadas e abusivas de que foi alvo durante o percurso. Foram centenas. Meninas de 14 anos e menos são incomodadas na rua, seguidas, olhadas de alto a baixo, por homens que poderiam ser seus pais ou avôs. Nenhuma mulher que se inscreva numa rede social ou entre numa sala de chat está livre de receber propostas sexuais ou, pelo menos, de ser alvo de uma atenção desproporcionada àquela que receberia um homem.

Entretanto, as estatísticas escolares mostram que os rapazes têm pior comportamento e pior rendimento que as raparigas. Nas universidades as raparigas são já a maioria e são seus a maior parte dos mestrados e doutoramentos. As profissões jurídicas e médicas começam a ser maioritariamente femininas e as engenharias e a gestão vão acabar por sê-lo também. E os homens, onde estão em maioria? Na cadeia, poderia responder uma feminista mais inflamada, mas também na política e, em geral, nos cargos de exercício do poder. Mas também aqui as coisas estão a mudar.

Os cargos de deputado, ministro, Presidente da República, da câmara municipal, primeiro-ministro, vão deixando de ser exclusivamente masculinos, e com consequências. A viragem do poder tem provocado alterações capazes de modelar a nossa sociedade em direções inesperadas. A “lei do piropo”, por exemplo, destinada a proibir e punir abordagens sexuais indesejadas, vai meter na ordem agressores mas vai também condenar ao celibato muitos tímidos. A pergunta pode passar a ser “como abordo uma rapariga sem, tecnicamente, me expor a um procedimento criminal?” Não quero ser pessimista, mas arriscamo-nos a chegar a um ponto em que antes de pedir namoro a uma rapariga, ou de tentar um “engate” rápido, é aconselhável a um rapaz consultar um advogado.

É verdade que temos um problema com o género masculino e os seus comportamentos mais comuns, mas a cura não pode ser tão drástica que ponha em causa a sobrevivência da espécie.

Por: António Ferreira

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