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A saída do “lixo”

É uma grande notícia para os portugueses que a Standard & Poor’s tenha finalmente libertado a dívida pública de Portugal da classificação que se tornou comum chamar “lixo”. Tão boa notícia como foi má a de nos terem lá posto, com outras agências da mesma espécie, há mais de cinco anos. E boa apenas por isso. Pelas consequências das avaliações das agências de “rating”, que podem ser devastadoras ou deixar de o ser para a economia de um país. Além disso, não há razões para as levar como amigas nem como confiáveis. Uma ou duas semanas antes do precipício em que caiu a Lehman Brothers classificavam-na com duplo ou triplo A. As empresas financeiras de capital especulativo foram tão toleradas pelas agências de rating com não foram as dívidas públicas de Estados que tinham obrigações sociais para com os seus cidadãos. Por isso, é tão importante não deixar de reivindicar que o trabalho de “rating” passe a ser efetuado por instituições públicas de alcance internacional, com controlo democrático, no nosso caso ao nível das instituições de regulação da União Europeia.

Mas dito isto, e de regresso ao plano doméstico, há alguns sinais a não deixar passar em claro. Primeiro, a grande notícia é de facto para os portugueses, que, na sua esmagadora maioria, viram as suas vidas andar para trás por longos anos no que toca aos seus rendimentos, à estabilidade dos seus empregos, à capacidade de fazerem face às despesas mais expectáveis de famílias funcionais. Quando os políticos se acotovelam pelos louros deviam primeiro atribuí-los à população, à sociedade, ao povo, como se preferir chamar-lhes, mas sempre as pessoas comuns, que foram quem suportou anos seguidos de sofrimento social, vendo adiadas as suas vidas. Segundo, entre os que governaram pela austeridade e os que governam agora há uma diferença que a história não pode simplesmente fingir que não existiu. Não é verdade que uns vieram continuar, qual alternância, o trabalho governativo dos antecessores. Não é verdade que todos praticaram austeridade, uns com um estilo e outros com outro. Não, dentro daquilo que o realismo permite, as escolhas feitas foram diametralmente opostas. A tese de que não havia alternativa e a ameaça de que sair do caminho traçado seria catastrófico foi refutada, primeiro nas ideias, depois nos resultados práticos quando houve uma genuína oportunidade de as praticar. Memória curta é esquecer isto e a intimidação que andou nas bocas de muitos há dois anos quando mudou o Governo.

Algo não muito diferente é a tentativa de dizer que o mérito da Geringonça é muito menor do que se apregoa. A tentação de restaurar o equilíbrio do centrão está aí e vai aprofundar-se, como que a corrigir uma anomalia, seja dizendo que quem governou e quem governa estão bem no mesmo curso, seja dizendo que quem governa só muito aparentemente deixa o que se passa à sua esquerda influir. Mas isso é empobrecedor e, de novo, andar para trás. O centrão é lugar de alternâncias e compromissos que encobrem mais facilmente os maiores erros de governação, que por cá não faltaram. Assumir que todo o espectro partidário democrático conta é assumir que há mais exigência, atenção e crítica. É o melhor seguro de que não voltamos ao “lixo”.

Por: André Barata

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