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A revolta

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Brasil e Turquia têm algo em comum? A meu ver não há movimento popular espontâneo se não existirem motores de canalizar e organizar a revolta. Os motores não funcionam se não houver injustiça, repressão, tirania. Há que regar a revolta com gasolina para que ela queime. O que temos nos dois países são erros de governação que conduzem à revolta e temos organizadores de protesto experientes e atentos. O conflito turco é basicamente profano contra religioso. Os laicos cansaram da exigência religiosa. A imposição das regras religiosas a todos os que habitam os países muçulmanos é uma tirania contra a liberdade. Na Turquia lutam milhões de mulheres contra a chegada de véus, milhões de mulheres pelo direito de amar e ser amada por sua única decisão. No Brasil, a guerra está mais centrada no despesismo contra os direitos sociais. Em ambas as batalhas sinto-me próximo da rua, do atirador de pedras. Mas há que perceber que as revoltas populares são produto de uma governação lida como injusta, tiranizadora, coartando a liberdade. Depois há pessoas que, mais elucidadas, organizadas, empurram a revolta e canalizam as reivindicações. Ao longo da vida percebi que em muitos destes “pastores do rebanho tresmalhado” havia novos tiranetes, havia interesses ocultos, havia negócios sujos. Por isso, muitas revoltas conduziram à chegada de novas tiranias em que a União Soviética, o Camboja, exemplificam como tantos conheceram a morte pelo delito de opinião. Na Turquia, como no Brasil, se a distribuição da riqueza fosse mais uniforme o protesto era menor. A Arábia Saudita é uma governação religiosa pura mas enorme distribuição de riqueza, condicionando aparentes baixos índices de revolta apesar de enormes restrições à liberdade individual. Na Turquia e no Brasil o maior combustível da revolta é a pobreza extrema e a desigualdade social. Bem gerida a revolta encontramos reivindicações interessantes que obrigam o poder a reequacionar a fatura da despesa pública. Na Turquia confrontam-se dois mundos e por essa razão é mais perigoso o processo. Há uma idade média e uma modernidade que se enfrentam. Todos devíamos estar atentos porque a presença de outro Irão às portas da Europa laica pode ser um problema muito complexo no futuro. Também não negligenciável é o facto de estes dois países representarem mais de 220 milhões de habitantes. É uma convulsão com consequências financeiras mundiais.

Por: Diogo Cabrita

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