Arquivo

A reforma verde

Editorial

Em 2004 organizei na Guarda um debate público sobre um projeto de reforma da administração territorial, da criação das comunidades urbanas e as mudanças que o Governo de então preconizava para alterar a organização do território. Cerca de 400 pessoas, entre elas muitos dos então presidentes de câmara da região, encheram o auditório do Hotel de Turismo, que foi pequeno para tanto interesse em discutir argumentos sobre o que se pretendia mudar. Para a mesa, convidei Pedro Guedes de Carvalho, professor universitário na UBI, os deputados Pina Moura, do PS, e Ana Manso, do PSD, os autarcas Carlos Pinto, da Covilhã, e Maria do Carmo Borges, da Guarda, o presidente da Associação Nacional de Municípios, Fernando Ruas, e o responsável pelo projeto, o então secretário de Estado Miguel Relvas. Do debate retive muitas divergências de opinião e um grande entusiasmo do representante do Governo em mudar a organização do território. Ainda não se falava à boca cheia da necessidade de extinguir freguesias ou agregar autarquias, mas já então denotei que a reforma acabaria por passar pela necessidade de criar escala, dinamizar o associativismo e que os mais pequenos não teriam futuro (municípios e freguesias).

Passados sete anos, alguns dos protagonistas desse debate voltam a ser as referências sobre dois mundos em discussão: Miguel Relvas, agora o ministro responsável pelo Documento Verde da Administração Local, e Fernando Ruas, presidente da Câmara de Viseu e líder da associação de municípios. Hoje, a reforma de que Miguel Relvas é um dos percursores implica grandes mudanças na administração local. A reforma de 2004, que falhou em muitos dos seus pressupostos, não tinha de conviver com o sufoco financeiro do país e o poder local não estava estrangulado por dívidas mirabolantes ou sufocado pelo exponencial crescimento de despesa. Em 2004 havia um patamar de exigência diferente e não se olhava a meios para atingir os fins. Hoje, não há meios. E o poder local para sobreviver enquanto tal tem de aprender a fazer muito com pouco. Nunca esse desiderato se colocou às gerações anteriores de autarcas que, durante 35 anos, tiveram uma fé inabalável na sua obra.

A reforma do Documento Verde não tem surpresas – se tem alguma, é a cedência aos municípios, à continuidade de câmaras municipais que porventura já concluíram o seu ciclo e que, pelo menos desde 1894, exerceram a sua função de concelho e de comarca (a maioria) e que hoje já não têm dimensão e relevância para manter essa capitalidade. E cuja despesa é de longe muito superior a tudo o que por lá se produz. Extinguem-se freguesias, o tal poder local de proximidade, que terá de se agregar para não ser extinto. Nas Áreas Predominantemente Rurais deverão ser extintas dezenas de freguesias na Beira Interior.

Ao nível da representação, nas autarquias entre os 10 mil e os 50 mil habitantes, caso da Guarda, passam a eleger quatro vereadores (dois a tempo inteiro) em vez dos atuais seis. Os municípios com menos de 10 mil habitantes, a maioria na região, passam a eleger apenas dois vereadores (um a tempo inteiro) e não os atuais quatro. E o presidente de câmara passará a ser eleito após encabeçar a lista à Assembleia Municipal e posteriormente escolherá a sua equipa entre os deputados eleitos para a Assembleia. Quanto às empresas municipais, é proibida a criação de novas entidades e, em relação às que existem, têm de ter resultados positivos e não dependerem em pelo menos 50 por cento do seu orçamento da respetiva câmara, caso contrário serão extintas.

A forma como o governo quer implementar algumas das reformas previstas poderão ser injustas e nefastas do interesse de uma certa comunidade, mas, no geral, têm um bom grau de equidade e equilíbrio e só pecam por tardias.

Luis Baptista-Martins

Comentários dos nossos leitores
HONORATO ROBALO honorato.robalo@gmail.com
Comentário:
Um exemplo objectvo, a CDU votou contra a criação da empresa municipal- Culturguarda, volvidos estes anos o tempo deu-nos razão. A cronicidade do financiamento das funções sociais do Estado. e neste caso da cultura, não se resolve com engenharias financeiras ou outras panaceias. Haja efectivo debate sobre o papel necessário do poder local, não imputem competências sem as efectivas transferências financeiras. Alterem as competências de fiscalização e sobretudo de deliberação das assembleias municipais. A solução de truncar a representatividade no executivo é bem demosntrativa que o objectvo central do PSD e PS é destruir a essência do poder local através da legislação. A outra destruição tem-se assistido com a garrotagem financeira e ao mesmo tempo criando dependência do sector financeiro.
 

Sobre o autor

Leave a Reply