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A Reforma do Poder Local

Razão e Região

Creio que são muitos os que consideram que é necessário proceder a uma ampla reforma do poder local, em todos os seus aspectos: da reorganização administrativa do território concelhio ao sistema de governo municipal, à reorganização supramunicipal. Mas, por agora, os municípios estão a braços com a reorganização do território das freguesias, tendo como referência a Lei 22/2012, de 30 de Maio. Trata-se de um trabalho difícil porque muito sensível. Sobretudo nas freguesias rurais, onde a Junta de Freguesia desempenha uma função central e onde a questão da identidade é muito sensível. A tal ponto que a própria Lei lhe dedica muita atenção, ao regular o processo de reorganização. Mas os outros aspectos, certamente mais substanciais, continuam na penumbra. E alguns, como, por exemplo, o da fusão de municípios, só são levemente aflorados neste diploma. A verdade é que não se vê séria discussão pública sobre a matéria. Como não se vê esforço da maioria em envolver seriamente o PS no projecto, sendo certo que em matérias como esta é absolutamente desejável um amplo consenso. Não é, como sabemos, matéria fácil, dada a vastidão dos agentes envolvidos e a sensibilidade da matéria. Mas sendo algo muito urgente, é, ao mesmo tempo, matéria muito interessante, já que implica pensar com profundidade a natureza e a estrutura de uma democracia local para o Século XXI. Sabemos que já se esteve perto de um entendimento entre os dois maiores partidos (PS e PSD), embora a solução que então foi encontrada não resolvesse todos os problemas. Neste momento, pelas informações disponíveis, e sem tomarmos em consideração a questão das freguesias, que já se encontra regulada por Lei, até seria possível encontrar entre os dois maiores partidos posições mais avançadas do que as que a seu tempo foram objecto de acordo. Mas para isso a maioria tem de negociar com o PS se quiser dar sustentabilidade política à reforma.

Sobre as freguesias, este partido já se pronunciou contra o método seguido. Mas a Lei, sendo lei, deverá ser cumprida, até porque se não forem as Assembleias Municipais a fazê-lo será uma Comissão Técnica a propor as soluções à Assembleia da República e em condições mais gravosas para as freguesias. Foi por isso que a Assembleia Municipal da Guarda, em consonância com o Executivo – que sobre o assunto emitirá parecer -, assumiu o processo de reorganização administrativa do território das freguesias, criando uma Comissão politicamente representativa, que já se encontra a trabalhar. E eu creio que, em termos políticos, o Executivo fez bem em remeter o processo para a Assembleia, já que nela se encontram presentes todas as sensibilidades políticas, desenvolvendo-se o trabalho com maior transparência, maior concertação de posições e, consequentemente, menor conflitualidade. Pelo menos é o que se espera. De resto, a tendência que se tem vindo a firmar vai no sentido de se proceder somente à agregação das freguesias com menos de 150 habitantes, tal como a lei prevê no seu artigo 6º (n.º2). Até porque esta decisão da Assembleia conjugada com o cálculo relativo às exigências presentes no diploma permite que se proceda a uma redução não muito significativa de freguesias rurais. Entretanto, e nos termos da Lei, a redução das freguesias urbanas terá de ser de 50 por cento para Municípios de nível 3, como é o caso da Guarda. De qualquer modo, o processo no nosso Concelho parece não levantar problemas de maior. Mesmo assim, tudo se desenvolverá num diálogo franco e constante com as Juntas de Freguesia e com os seus órgãos deliberativos.

Num plano mais global, é cada vez mais evidente que urge alterar o sistema de governo dos Municípios, dotando os executivos de maior homogeneidade política, distinguindo muito bem as responsabilidades entre que governa e quem faz oposição e valorizando as Assembleias Municipais, dando-lhes maior capacidade de iniciativa política, hoje quase legalmente inexistente. Neste aspecto, uma forma de reforçar a sua capacidade e o seu peso político seria a de fazer sair os membros do executivo necessariamente da Assembleia ao mesmo tempo que nas eleições (para o Município) se verificaria unicamente um boletim de voto, à semelhança do que já existe para as freguesias.

No plano supramunicipal, a questão central será a do destino, natureza, competências e funções das Comunidades Intermunicipais. Feito que está o estudo sobre as experiências de duas Comunidades (uma, de dominante rural, e, a outra, de dominante urbana) dever-se-ia seguir um debate no interior das próprias Assembleias Intermunicipais, contribuindo com isso para instruir futuras decisões do Governo sobre a matéria. Mas temo que o debate venha tarde para instruir um processo tão complexo como é o da Reforma do Poder Local a tempo de entrar em vigor no próximo mandato que se iniciará no final de 2013. Ainda assim, penso propor, em breve, ao Conselho Executivo da COMURBEIRAS-CIM a realização de um debate institucional sobre a experiência e o futuro das Comunidades Intermunicipais.

Por: João de Almeida Santos

*Presidente da Assembleia Municipal da Guarda e da Assembleia da COMURBEIRAS-Comunidade Intermunicipal

** O autor escreve de acordo com a antiga ortografia

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