Existe um largo consenso acerca da necessidade de reformar o poder local e reorganizar a administração do território, na sequência de mutações sociais, económicas e demográficas das últimas décadas, desde 1974 até aos nossos dias.
Com o contexto das próximas eleições autárquicas, em que um significativo número de autarcas se encontra legalmente impedido de se recandidatar e com a consciência clara e generalizada de racionalizar a administração pública nos seus diferentes níveis (administração direta e indireta do Estado, administração regional e local), sob pena de se cair na insustentabilidade, existe uma oportunidade ímpar para se aprovarem e executarem reformas, reconhecidas como necessárias e vitais, mas que, sem a verificação de tais condições, deparariam com resistências, talvez, intransponíveis.
Durante a apresentação do Documento Verde da Administração Local, o primeiro-ministro convidou todas as forças políticas e sociais a participarem na reforma do poder local e propôs «a renovação da aliança estratégica» entre Governo central e autarquias.
Passos Coelho considerou que todos têm «uma palavra a dizer neste grande debate em torno da reforma da Administração Local» e que «há instituições que não se podem excluir dele, como as universidades, as Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional, e evidentemente os partidos políticos», incluindo as melhores práticas dos nossos parceiros internacionais com a iniciativa de todos, homens e mulheres, que não sendo portugueses gostam do nosso país e escolheram Portugal para viver ou visitar e, muito particularmente, com as associações de municípios e freguesias».
Trata-se de uma grande reforma de sistema que não pode ser tratada com visões sectoriais, partidárias ou particularizadas, nem pode ser adiada, pois, neste campo, como em tantos outros a pior das decisões é a ausência das mesmas ou o seu adiamento.
Em Fevereiro do corrente ano, sobre este mesmo assunto, tive oportunidade, de, neste mesmo espaço, referir o que transcrevo, dado continuar na ordem do dia.
«As freguesias são uma realidade constitucionalmente consagrada e reconhecida, com riqueza cultural e identidade próprias, caracterizando-se por ser quem, na Administração Pública, mais próximo está dos cidadãos – mais-valia incontornável –, sendo cm consequência, agente privilegiado na resolução ou procura, promoção e encaminhamento das melhores soluções para os problemas das comunidades locais e dos seus cidadãos.
Face ao decurso da “reforma administrativa” que impôs maiores obrigações legais, consagrando novos sistemas de regras que se revestem de uma linguagem jurídica também inovadora, nem sempre de fácil interpretação, não é fácil a muitos leitos locais, com estruturas bastante incipientes, responderem a tais exigências, tendo em conta um nível da Administração com parcos recursos, técnicos e humanos, contando na maioria dos casos, com o trabalho abnegado e altruísta dos seus eleitos.
É importante reunir e sistematizar os conhecimentos e os modelos de intervenção na área administrativa das freguesias atendendo às exigências relacionadas com competências, funcionamento dos órgãos, estatuto dos eleitos locais, gestão de recursos humanos, contratação pública, sistema de controlo financeiro das autarquias (POCAL), de forma a assegurar o bom funcionamento das estruturas das freguesias, pois, embora sejam muitas vezes menorizadas, está mais que provado que as freguesias fazem bem mais com muito menos e que são o primeiro patamar da democracia e a quem os cidadãos recorrem em primeira mão.
Importa repensar, com estudos adequados qual o modelo de gestão para estes tipos de freguesias, que são consideradas freguesias rurais, as quais clamam por especial atenção, sob pena de o interior ser cada vez mais interior, transformando-se em terra de ninguém (há povos, com história e com vivências seculares, em vias de extinção, nos próximos 10 anos! Há freguesias, onde se comportam os custos com as estruturas de uma junta de freguesia em funções, onde, por exemplo, nas recentes eleições presidenciais votaram 8 eleitores!).
Importa que, nas freguesias, núcleos de freguesias e concelhos, se faça uma análise e discussão do assunto, de forma inclusiva e participativa, respeitando aspetos económicos, sociais, culturais e religiosos, não esquecendo que, “cada roca tem o seu fuso, como cada terra tem o seu uso”, de forma a não assistirmos a mais uma reforma feita a régua e esquadro, por quem não conhece a realidade, as pessoas e as suas vivências».
Associada à reforma administrativa, importa definir e tornar exequível um modelo de governação e gestão do poder local, conferindo a estabilidade governativa a quem ganha as eleições (mesmo com maioria relativa), tendo a possibilidade de escolher a maioria dos vereadores que compõem a Câmara. Assim, de acordo com as propostas de reforma em curso, deixa de existir uma lista para a Câmara Municipal, passando o cidadão que encabeça a lista vencedora para a Assembleia Municipal a ser o Presidente da Câmara, podendo escolher, dentro dessa mesma lista, os seus vereadores. Par tal, é necessário, tendo em conta as maioria qualificadas exigíveis para aprovar estas alterações de regime, que os dois maiores partidos se entendam e alcancem um acordo, não perdendo a noção do princípio essencial deste projeto de alteração à Lei Eleitoral das Autarquias Locais: a estabilidade governativa e a sustentabilidade dos executivos municipais e das respetivas autarquias.
Por: Manuel Rodrigues
* Presidente da concelhia da Guarda do PSD