Virgulino queria escrever um livro novo, um texto único, desconstruir palavras, romper a gramática e desvirtuar os cânones passados.
– Vou escrever um livro que é uma revolução literária! – Disse e desse modo ficaram a saber os familiares que nada mais faria na vida além desta missão única e intransmissível.
Haveria que dar-lhe de comer, que dar-lhe de dormir e alimentar este génio auto construído.
O ícone de si mesmo, a magistratura do próprio glorificava agora a vida difícil da mulher e dos filhos, mesmo com a ajuda dos pais e sogros. Virgulino lançou-se à tarefa durante meses de mortificados pensamentos, folhas escritas e rasgadas, pedaços de frases soltas em guardanapos e lençóis. Virgulino, o génio, escrevia nas paredes se eram elas que testemunhavam a sua inspiração. Onde estivesse e jorrasse o talento este ficava público e imortalizado nuns gatafunhos ou num teclar forte e audível. Aconteceu no cinema e gerou pugilato. Apareceu num restaurante e foram expulsos. Virgulino escrevia “obstipada mente” porque era o momento da reflexão, o tempo da descoberta.
Foram dois anos de espera e o afastamento dos sogros, o abandono do filho mais velho e a crença inquebrável da esposa que encontrara entretanto um amante de fins de tarde para as necessidades mais carnais. A força cultural de Virgulino tinha nele um efeito perverso nas questões de sexo. Não se lembrou mais de o praticar. Virgulino cumpria a missão da escrita, e após intermináveis 650 dias surgiu o texto que dava origem ao novo livro. Era um livro revolucionário e único mas não seria irrepetível. Virgulino matou-se cortando os pulsos e pingando sangue nas páginas de um livro que tentava escrever – “o livro vermelho de Virgulino” eram manchas de sangue espalhadas nas muitas páginas brancas e nalgumas estavam palavras do seu sonho: Morrer de mim. Potente era “catrapum”. Na busca insaciável me comi.
– Afinal o tipo era um génio – disse o galerista!
– Parece-me mais um erro diagnóstico – afirmou o psiquiatra.
– Não esperava isto! – soluçava a esposa nos braços calmos da mãe, consolada pela mão forte do filho que os deixara e voltava tranquilo.
Por: Diogo Cabrita