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A Previsível Catástrofe da Justiça

Os sistemas complexos tendem naturalmente para o caos, sobretudo aqueles que têm intervenção humana. Muitos sistemas, como por exemplo a agora célebre plataforma CITIUS, são construídos pela simples justaposição dos seus componentes e a sua complexidade resulta apenas disso, da agregação, em volumes cada vez mais densos, de subsistemas essencialmente simples. A entropia desses sistemas é inevitável, mas apenas é evidenciada quando lhes é exigido algo que ultrapassa a simples rotina. No fundo, quando são postos à prova não os componentes mas o sistema propriamente dito e a sua coerência.

No caso do CITIUS, o factor que desencadeou o caos foi simplesmente a tentativa de transição dos seus componentes para outro sistema. Não vamos pôr este em causa. Nada sabemos sobre ele a não ser que não funciona, e isto, mesmo que desagradável, não é decisivo em relação à sua bondade. O CITIUS, não o esqueçamos, já tinha em si as sementes do caos e da entropia.

A verdade é que essa transição não podia resultar em sucesso. A conversão para um novo sistema iria fazer sobressair as incongruências do velho e cada erro, cada arguido de Pinhel com o nome igual ao de outro arguido de Figueira de Castelo Rodrigo, iria impedir a passagem à etapa seguinte. Ou então, pior ainda, iria ficar adormecido e dar a ideia errada de que tudo estava bem até ao momento em que fosse posto à prova.

Quando, como era previsível, a transição entre plataformas resultou no caos, a ministra da justiça veio pedir desculpa. A sua humilhação pública pareceu no entanto um simples recitar da fórmula confessória que entre os católicos conduz ao perdão – uma doutrina que, nas palavras de Óscar Wilde em “De Profundis”, consegue eliminar o passado. “Estou muito arrependida, peço desculpa, e agora vamos ser todos amigos outra vez”.

Esta fórmula foi já apontada como a razão da superioridade económica dos países protestantes sobre os católicos. Nestes, os incumpridores, aqueles que passam uma vida inteira à margem das regras e do que é justo, contam com o momento final do arrependimento como passaporte para uma eternidade feliz. Além não. A recompensa ganha-se de momento a momento e nenhum erro pode ser perdoado sem a sua efectiva reparação. O arrependimento in extremis de nada vale, como de nada valem as indulgências e todas as outras hipócritas formas encontradas pela igreja de Roma para a salvação formal dos seus crentes. Nenhum arrependimento tem valor sem a eliminação dos danos, ou então é apenas uma fórmula hipócrita que se recita. Da ministra da justiça não quero por isso a humilhação pública, que não me serve de nada. Quero que resolva o problema, bem previsível, que criou. Como jurista deveria saber que é a única coisa que realmente interessa.

Por: António Ferreira

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