Parece que muitos comentadores e politólogos só agora descobriram que a política está cada vez mais personalizada. E descobriram esta tendência no recente Congresso do PS. E criticaram a personalização, lamentando a falta de debate substantivo. Mas não sei se descobriram que a política dos vínculos orgânicos própria dos velhos partidos-igreja, fortemente ideologizados e centrados numa classe média estabilizada já cedeu o lugar à nova política dos vínculos comunicacionais, própria dos «catch all parties», do minimalismo ideológico e de uma classe média profissionalmente instável, culturalmente fragmentária, existencialmente nómada e mais afecta aos estilos de vida do que às concepções do mundo. Não me lembro é de os ver pôr o problema em relação a Obama. Mas mais vale tarde que nunca. Pelos vistos, a liderança de José Sócrates está a desbravar caminhos a estes antiquários da ciência política, que cultivam um empirismo estatístico e descritivo modulado por uma velha concepção organicista da política. Por outro lado, que os congressos devam ser fóruns de profundo debate político ou rituais colectivos onde se exprimem e se votam tendências previamente definidas e elaboradas, pouco interessa. Na verdade, sendo um pouco de tudo isto, o seu traço distintivo reside, todavia, na sua vocação ritual, comunitária e de interacção pessoal. Mesmo nos congressos científicos estas características são dominantes, revendo-se a comunidade científica inteiramente nelas. Já a questão da personalização vale a pena discuti-la. Ora esses tais «catch all parties» de que alguns falaram já vêm dos anos sessenta. São os partidos do arco governativo. Só que as suas características essenciais se radicalizaram com a evolução dos tempos, a ponto de os podermos hoje designar por «partidos do público», fortemente personalizados. Curioso é que os mesmos comentadores e intelectuais que subiram ao céu com a campanha e a eleição de Obama agora vejam o inferno em quem se move – já lá vão uns anos – no interior de um mesmo paradigma. E não por mera retórica vanguardista, mas, mais prosaicamente, porque as sociedades foram evoluindo de tal modo que a incorporação das novas variáveis se tornou politicamente imperativa. De resto, é hoje comum na literatura política encontrar delineada a passagem da chamada «democracia de partidos» para a «democracia do público», com profundas implicações nos mecanismos de funcionamento dos próprios partidos. Dou um exemplo. Hoje, um líder pode dirigir-se directamente aos militantes através dos media e da rede, prescindindo das instâncias orgânicas. E, nesta relação, os militantes podem avaliar as capacidades do líder, usando os mesmos mecanismos cognitivos que usam no seu quotidiano. «Read my lips!» – Bush-pai dizia isto na televisão, falando de impostos. A personalização da política é hoje uma variável incontornável. À direita, ao centro e à esquerda. Praticá-la sem a reconhecer é exercício de hipocrisia política. A personalização da política já é uma função do novo espaço público. Não só porque, neste, um rosto vale mais do que mil palavras, mas também porque o discurso mediático exige cada vez mais a conversão dos programas, das ideias e dos valores em fórmulas de «interesse humano» que possam ser convertidas na própria linguagem operativa dos media. Não têm pois grande sentido essas críticas que reduziram o Congresso a um «One Man Show» nem aquelas que já procuram ver na construção de uma rede informal de campanha através da NET (www.socrates2009.com) a continuação deste mesmo tipo de congresso por outros meios. Bem pelo contrário, esta rede em construção representa uma tentativa de relançar – com novos meios, nova lógica e novo alcance – um movimento que afunde bem as suas raízes na sociedade real, ou seja, em cidadãos que já não precisam de um enquadramento orgânico para intervir na política, bastando-lhes capacidade individual de aceder a um novo espaço público que lhes permite influenciar as agendas pública e política, sem pedir licença aos velhos «gatekeepers» e aos comentadores instalados nos principais interfaces da comunicação. E nem sequer aos partidos. Manuel Castells já teorizou esta nova forma de exercício de cidadania, chamando-lhe «mass self communication». Outros, poder diluído ou «micropoder». E Barack Obama já a praticou abundantemente com os resultados que se conhece.
Por: João de Almeida Santos