Mais tarde ou mais cedo, e com o prolongar da austeridade e das desigualdades que as escolhas políticas não deixam de aprofundar, os resgatados das crises financeiras desenvolvem um certo ressentimento contra quem os resgatou. Foi assim no passado, na América Latina contra o FMI, será assim na nova Europa, aquela que vier a sobreviver ao esgotamento de um modelo social progressista que nos últimos 70 anos produziu paz, prosperidade e direitos para todos. Com o pormenor alarmante de que, nesta nova Europa, o alvo do ressentimento dos resgatados – e a principal vítima da crise – poderá vir a ser a própria ideia de Europa e o modelo de integração económica e política a que presidiu.
No imediato pós-guerra, a aspiração de uma nova Europa correspondeu à aspiração de gerações de europeus que entendiam que a vida era para ser vivida em paz, no quadro de novas liberdades até então nunca concretizadas e a salvo das inseguranças que tornam o quotidiano imprevisível e o futuro e os seus projetos impossíveis de planear. Já a crise financeira de 2007-2008 se avolumava, atravessava o Atlântico e ameaçava transmutar-se na crise da dívida soberana, ainda os dirigentes europeus andavam às voltas com a nova epifania do Tratado que seria de Lisboa, sem compreenderem que rapidamente esse instrumento haveria de servir de pouco. Como serviram de pouco as quezílias que desde 2003 desviaram as atenções do que era essencial para o futuro da Europa.
Hoje, invocar uma nova Europa é quase inevitavelmente reconhecer que o futuro poderá não ser melhor que o passado e que a capacidade de decidir poderá não dar resposta aos desafios que se avizinham. Ainda há bem pouco era comum acreditar que os saltos qualitativos na integração europeia se davam nos momentos mais difíceis e mais exigentes e que a decisão razoável se seguiria ao reconhecimento do interesse europeu. A gestão da crise da dívida soberana na Europa tem desacreditado esta convicção, não só pela forma irresponsável de determinados governos gerirem os recursos nacionais como pela degradação da noção de solidariedade europeia e o regresso em força do diretório como instrumento ambicionado de gestão da coisa (res) europeia.
Que uma nova Europa seja a do retrocesso a modelos sociais e políticos que pareciam abandonados pela chegada do fim da História pode bem ser o resultado irónico da política europeia de austeridade punitiva e do enfraquecimento das instituições europeias na concretização do bem comum. Como o neo-autoritarismo do governo de Viktor Orbán na Hungria parece deixar claro, uma resposta europeia para a crise é mais necessária que nunca até por razões de legitimidade. A ausência de resposta ao nível financeiro e económico provocará irremediavelmente a sua ausência, e o esvaziamento da Europa a nível político, assim que a austeridade prolongada e o aprofundamento das desigualdades impuserem a próxima nova vaga de autoritarismo. E uma nova Europa.
Por: Marcos Farias Ferreira