O tempo pergunta ao tempo quanto tempo o tempo tem.
Envelhecer é um processo contínuo que tem início ainda antes de nascermos. A cada dia que passa, a cada hora, a cada minuto e a cada segundo estamos a envelhecer. E o conceito de idade está normalmente relacionado com o tempo e faz parte dos vários elementos que nos ajudam a identificar pessoas, animais e acontecimentos. Ao dizermos que determinada pessoa tem esta ou aquela idade, a nossa mente assume automaticamente como informação o tempo que ela já leva de vida onde incluímos a sua experiência, as suas realizações e a sua maturidade.
A idade – porque se divide em períodos de tempo – é por si só uma medida desse mesmo tempo. É quantitativa e não qualitativa. Existindo assim como um valor absoluto, não manipulável e, por conseguinte, a percepção que temos dela é meramente mecanicista. Mas a medição do tempo é um produto da inteligência humana e resultou da necessidade das sociedades primitivas se organizarem num mundo que se tornava cada vez mais complexo. Aos homens antigos, a memória dizia-lhes que havia um tempo que se esfumava e se diluía no passado e um tempo futuro que se aproximava. Idealizaram então o tempo como uma linha que corria do passado para o futuro, nascendo daí o calendário e o relógio. Medir o tempo tornou-se obsessivo. Inventaram-se os milénios, os séculos, as décadas, os anos, os meses, as semanas, os dias, as horas, os minutos, os segundos e até os nanossegundos.
Nada mudou de muito significativo no Universo desde que o Homem apareceu na Terra mas a medição do tempo e a entrada em cena do conceito de idade mudaria a nossa percepção do mundo e da vida. Agora, mais do que nunca, a idade mede-se em função de uma noção de tempo cada vez mais matemática, o que nos torna cativos do que é absoluto. E é isto mesmo que nos assusta e incomoda. Tudo nos sugere que a idade avança. E quando avança arrasta outros acontecimentos que nos conduzem à mudança e ao inevitável envelhecimento. Aparentemente, a idade nunca recua e, assim, há idades em que o que mais ambicionamos é ficar mais velhos e outras em que aquilo que mais desejamos é ficar mais novos sem que, todavia, nada se altere. Ou seja, a idade cronológica – da qual nada nem ninguém consegue fugir – nem para a frente nem para trás – constitui uma importante referência para a sociedade humana ao contrário do que ocorre com os outros animais para quem a noção do tempo que passa não parece existir.
Na verdade, não temos que nos sentir prisioneiros da idade que matematicamente somamos, pois a vida humana manifesta-se e evolui através de outras dimensões que estão para além do próprio tempo. A vida é muito mais do que simplesmente contar os anos e envelhecer… Mas numa sociedade em que a imagem e a informação assumem uma importância crucial, as pessoas têm medo de parecer velhas. É um medo irracional mas compreensível porque resulta do facto de termos construído uma sociedade ávida de juventude, acção e novidade, obsessivamente consumista e devoradora de imagens. E assim já não é apenas o envelhecer que assusta mas também o ficarmos fora de moda: na aparência, no vestuário, no penteado, nas ideias, nas crenças, etc, etc. Fazendo com que no momento actual e nas sociedades mais desenvolvidas, seja mais difícil ser-se idoso. Paradoxalmente, porque as nossas sociedades oferecem um novo estatuto às pessoas de idade, o estatuto de “novos velhos” ou de “velhos novos”, através do qual se criou todo um mercado que vai desde as viagens até às operações plásticas ou ao Viagra, tudo feito para manter a ilusão da juventude eterna. Mas, podendo na realidade ser a própria negação da velhice, retirando à idade aquilo que lhe é próprio: a experiência e a sabedoria, e reservando-lhe apenas o patético papel de imitar a juventude.
A velhice anuncia ao homem o seu destino. E o homem insensato, que afinal todos somos um pouco, uns mais outros menos, tende a recusá-lo, maquilhando-a, disfarçando-a enquanto pode e depois encerrando-a longe da vista e do coração. Mas a velhice faz parte da vida – tempo a que apenas a alguns é permitido viver. E assim como também as rugas são belas, também os nossos pensamentos são poderosos. E uma mente saudável será uma mente por natureza sempre jovem e resistente ao tempo que passa e às suas adversidades.
E o tempo responde ao tempo que o tempo tem tanto tempo quanto tempo o tempo tem.
Por: Joaquim Nércio