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A minha patria é a lingua portuguesa

Selecção…Natural

Portugal vai pedir um prazo de dez anos para a entrada em vigor do novo Acordo Ortográfico, que unifica a escrita da Língua Portuguesa, anunciou há dias a ministra da Cultura. Questionada no Parlamento durante a apresentação do orçamento da Cultura para 2008, Isabel Pires de Lima disse que os ministérios da Cultura e da Educação vão pedir uma moratória de dez anos para que Portugal tenha tempo de se adaptar ao novo Acordo Ortográfico. É que o novo acordo, que unifica a escrita em língua portuguesa nos países da CPLP, obriga a muitas adaptações e alterações, incluindo nos manuais escolares. Portugal já ratificou o Acordo Ortográfico, mas tem ainda de ratificar o segundo protocolo modificativo do documento. O que, segundo a Ministra, deverá acontecer até ao final do ano. Até agora, só o Brasil, Cabo Verde e S. Tomé o fizeram. Esta azáfama deve-se à CPLP II – Reunião do Conselho de Ministros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa – que decorreu esta sexta-feira em Lisboa. E que levou o MNE Amado a adiantar que os restantes países que também ainda não o fizeram se comprometeram a ratificá-lo «rapidamente». Está pois tudo explicado. Continuamos a reboque dos interesses do Brasil nesta matéria. Como reconhece o próprio “Jornal do Brasil” de 31.07.2002: “Os brasileiros sentirão as reformas bem menos do que os portugueses”. As associações representativas do sector editorial já reagiram. Dizendo e bem que não foram sequer chamadas a pronunciar-se no processo. Nem muito menos o Ministério da Educação é parte nele, como devia.

Lembro-me de uma artigo luminoso do Miguel Esteves Cardoso, a propósito deste Acordo, incluído na compilação “Explicações de Português” (Assírio & Alvim, 2ª ed. 2001). Chama-se justamente “O Acordo Tortográfico”. Contra os arautos de uma unificação forçada, escreve: “A lusofonia é uma espécie de estereofonia, só que é melhor. A estereofonia funciona com dois altifalantes, enquanto a lusofonia funciona com mais de 100 milhões.” Sobre as alterações propostas, é peremptório: “se a lusofonia é uma cacofonia de expressão oficial brutoguesa, a tortografia consiste fundamentalmente no conceito de cacografia”. Mais à frente, exemplifica como se escreverá o português, quando o Acordo entrar em vigor: “A adoção exata deste acordo agora batizado é um ato otimo de coonestação afrolusobrasileira, com a ajuda entristorica dos diretores linguisticos sãotomenses e espiritossantenses. Alguns atores e contraalmirantes malumorados, que não sabem distinguir uma reta de uma semirrecta, dizem que as bases adotadas são antiistoricas, contraarmonicas e ultraumanas, ou, pelo menos, extraumanas. No entanto, qualquer superomem aceita sem magoa que o nosso espirito hiperumano, parelenico e interelenico é de grande retidão e traduz uma arquiirmandade antiimperialista. Se a eliminação dos acentos parece arquiiperbolica e ultraoceanica, ameaçando a prosodia da poesia portuguesa e dificultando a aprendizagem da lingua, valha-nos santo Antonio, mas sem mais maiúscula. A escrever »O mano, que é contraalmirante, não se sabe mais nada, mas não é sobreumano«? O que é que deu nos gramáticos de além-mar (ou escrever-se-á alemar)? A tortografia será uma doença tropical assim tão contagiosa?” Aproveita ainda para rebater o argumento, utilizado pelos defensores do Acordo, de que “a língua portuguesa é a única das dez línguas cultas do mundo que apresenta ortografias diferentes”, recorrendo ao caso do inglês. A ortografia inglesa e a americana, como se sabe, apresentam algumas diferenças. E nunca se procurou unificá-las. Ora tomando este exemplo, conclui MEC: “a unificação ortográfica não é uma condição para o intercâmbio cultural. (…) a grande diferença entre um país enorme como os EUA e um país pequeno como o Reino Unido em nada prejudica o entendimento entre eles. No caso do Reino Unido, garante importantíssimas existências culturais (como a indústria editorial, que invariavelmente publica livros americanos com ortografia inglesa) e permite a sobrevivência de uma tradição ortográfica à qual os Americanos poderão sempre recorrer, até para alterarem grafias suas.” Querem os promotores do Acordo – alguns linguistas encabeçados por Malaca Casteleiro – normalizar administrativamente a ortografia da língua portuguesa. O único beneficiário parece ser o mercado editorial brasileiro. Do lado dos custos, eles serão incalculáveis. O governo deveria denunciar o Acordo, optando por reformas pontuais, em vez de assinar o Protocolo, o que tornará o desvario irreversível. De outro modo, passaremos a escrever o célebre verso de Pessoa como no título deste texto.

Por: António Godinho

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