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A minha agenda

O Natal vai longe e parece que os Reis apenas entregam em Espanha, pelo que já perdi a esperança de receber a fantasia de qualquer miúdo dos anos 90, não a Mega Drive de 16 bits que a ambição tem limites, mas a “A Minha Agenda”, um simples livro que continha truques de magia, receitas, trabalhos manuais, astrologia e jogos, mas que a publicidade se encarregava de tornar mais importante que respirar. No mundo sem internet, qualquer papel era Rei.

Ainda assim, e mesmo tendo sido descontinuada, há quem a continue a receber, tal a quantidade extraordinária de truques e receitas que aplica. Valha-nos a Ordem dos Contabilistas Certificados e o Instituto Nacional de Estatística, que também fazem questão de publicar, respetivamente, o Anuário Financeiro dos Municípios Portugueses e o Anuário Estatístico da Região Centro. Uma espécie de agendas tecnológicas que, não oferecendo o prazer de cheirar e folhear papel novo, estão ao alcance de qualquer contribuinte com uma ligação à internet e com comportamento desviante que queira trocar serões de prazer audiovisual ao lado de Luena, John Snow ou Teresa Guilherme, por gráficos e tabelas. E não, não necessitam de um “Anuário para Totós” para deslindar o enredo desta trama, uma quarta classe com reconhecimento de algarismos deve chegar para perceber todas as receitas e truques de magia que nos vão prescrevendo e sucessivamente falhando.

Aqui pelo condomínio D. Sancho a dívida desce a um ritmo constante desde 2010, sim 2010, mas figuramos ainda no top ten da tabela percentual de desequilibro orçamental e o IMI eleva-se quase ao limite desde 2014, alcançando um dos maiores “bolos” do interior. Percebe-se, afinal se não há almoços grátis porque existiria um Natal e um Révellion de borla? Uma selfie com um duende, enquanto se patina e se ouve uma banda pop, justificam bem a fatura. Um verdadeiro imposto de valor acrescentado à já pesada interioridade. A agenda de festa e a satisfação autofágica prossegue e a massa crítica ou não existe ou está anulada, o que não é espantoso tal o decréscimo e formato da curva populacional. Uma peste, dizem.

Conclui-se que apesar da proliferação de encontros, inaugurações, seminários, conferências e outros eventos de promoção de coesão/desenvolvimento territorial tudo não tem passado de puros atos de masturbação ideológica, muitas vezes egocêntrica, que pouca fecunda, raramente se multiplica e redunda naquilo que um conhecido filósofo contemporâneo da Sport TV designa por “Bola”, onde cada vez menos são chamados a pagar mais.

Uma terra cada vez mais de ninguém, em que modelos falhados nos são revendidos como solução miraculosa dos males. Temos A23, A25, ferrovia eletrificada, parques logísticos, banda larga…, que nada conseguiram estancaram e há quem acredite que tudo se alterará se o comboio regressar pela Linha da Beira Baixa, vier a alta velocidade e se alcatroar a Serra da Estrela… Como que seja necessário um alinhamento perfeito dos astros para mudar a tendência da crua realidade.

Acredito agora que fomos definitivamente colocados no radar, um radar que logo que nos apanha em excesso nos notifica para o devido acerto de contas.

Por: Pedro Narciso

* Inicia nesta edição uma colaboração mensal. Com 35 anos, Pedro Narciso é natural da Guarda e licenciado pela Escola Superior de Saúde da Guarda. É enfermeiro no Centro Hospitalar da Cova da Beira

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