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A jóia do Fariseu

Espanhóis vão elaborar réplica de painel submerso com 86 gravuras rupestres para o futuro Museu do Côa

Deverão estar prontas em Abril as quatro réplicas de rochas com gravuras rupestres do Vale do Côa que vão integrar a exposição permanente do futuro Museu de Arte e Arqueologia, em Vila Nova de Foz Côa. Os levantamentos terminaram no domingo com «sucesso», adianta o Parque Arqueológico. Durante três dias, o nível das águas do rio Côa baixou três metros para permitir um trabalho de ourives.

As “jóias” desta coroa foram a rocha 1 do sítio do Fariseu, a rocha 11 da Canada do Inferno, a rocha 3 da Quinta da Barca e a rocha 16 do Vale de José Esteves. O INTERIOR esteve no Fariseu, na passada sexta-feira, um local de «grande interesse científico», avisa Thierry Aubry. O arqueólogo francês não se cansa de falar do «enorme potencial» do sítio e revela a descoberta mais recente. Trata-se de um seixo com restos de pigmento vermelho e motivos geométricos. «É extraordinário que o pigmento esteja bem conservado apesar de datar, possivelmente, de há 10 mil anos», exclama. Ao lado, os técnicos espanhóis da Tragacanto instalam os “scanners” laser 3D para reproduzir a famosa rocha n.º 1 do Fariseu. O painel, habitualmente soterrado pela lama, revela 86 gravuras rupestres, a maioria cavalos e auroques. Mas, para Thierry Aubry, tem muito mais que isso: «É a prova de que a arte paleolítica fazia parte da vida quotidiana, mas também da vontade do homem em marcar e modificar a paisagem. No Côa temos cada vez mais argumentos para o demonstrar», garante.

Mas o Fariseu também permite explicar a vida quotidiana de uma comunidade caçadora-recolectora do final do Paleolítico superior, há 20/25 mil anos, já que foram encontrados utensílios, ferramentas, ossos de animais, espinhas de sável e vestígios de fogueiras. «Toda esta informação servirá para dar um enquadramento aos visitantes do museu», admite, considerando que aquele equipamento vai ser um «suporte fundamental» para perceber o Vale do Côa. Por sua vez, Carmén Gonzalo, da Tragacanto, empresa responsável, entre outras, pela réplica da gruta de Altamira (Espanha), elogia o traço «certeiro e limpo» destes artistas pré-históricos. «Sabiam o que estavam a fazer e que era arte. O resultado é luxuriante», afirma. O painel do Fariseu terá cerca de cinco metros quadrados de área e as suas gravuras foram copiadas com «um detalhe da ordem dos 0,2 milímetros», explica.

Ensecadeira no Fariseu

Posteriormente, estes dados serão tratados informaticamente para permitirem a construção das réplicas em resina mineralizada, um material que reproduzirá «fielmente» as texturas minerais dos originais. Mas só no final de 2008, para quando está prevista a conclusão do museu, se poderá apreciar esse trabalho, que custou 35 mil euros ao Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico (IGESPAR). Contudo, António Martinho Baptista, director do Centro Nacional de Arte Rupestre (CNART), esclarece que a ida ao museu não deve substituir uma visita aos sítios. «Não somos adeptos de réplicas. O verdadeiro museu é o Vale do Côa», insiste. Mas nestes casos elas serão a única forma daquelas gravuras poderem ser vistas. «Escolhemos as rochas de maior importância arqueológica e que estão permanentemente submersas. Já no caso da Canada do Inferno é um painel que está a fragmentar-se e não deverá durar muitos mais anos, infelizmente», adianta.

O arqueólogo defende ainda a construção de uma ensecadeira no Fariseu para salvaguardar permanentemente o sítio e mostrar a sua importância ao público. «É daqui a melhor colecção de arte móvel existente em Portugal, além disso é um local de habitat e tem restos de fauna», argumenta. Já Alexandra Cerveira Lima concede que todas as soluções são estudáveis. A directora do Parque Arqueológico do Vale do Côa revela que já se ponderou uma estrutura amovível e que até foram abordadas empresas do sector. «Mas as opções são sempre muito caras», lamenta. Desta vez, o levantamento só foi possível com a descida do nível da água, em cerca de três metros, através da barragem do Pocinho. «É uma quota que já compromete a navegabilidade do Douro, por isso é preciso encontrar uma alternativa para permitir a investigação arqueológica», refere.

Luis Martins

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