A noite cai lá fora mais fria que nunca e o silêncio do vazio estende-se por toda a cidade. De um lado, famílias recolhidas nas suas conchas de marfim dormem tranquilamente um sono doce e seguro. Do outro lado, jovens, adultos, idosos e crianças disputam cartões e jornais para se abrigarem do frio. Uns correm desenfreadamente pelas ruas como se fugissem dos medos e perigos da noite, outros, como se já nada lhes restasse, vendem um corpo por uma alma perdida, e os restantes abrigam-se no silêncio gélido da escuridão, adormecendo num sono amargo e inseguro.
A noite afigura-se longa e dolorosa, e a esperança de um novo raiar parece nunca mais chegar…
A cidade acorda mais agitada que nunca, afinal, estamos a dois ou três dias do Natal e há que fazer as últimas compras, há que satisfazer vontades e desejos.
Envoltas na rotina quotidiana, e sobretudo preocupadas com a árdua tarefa de comprar os ambicionados presentes, as pessoas correm obstinadamente pelas ruas frias e iluminadas. A multidão passa e o coração da cidade emana luz e música. Um sino toca algures, cânticos de harmonia invadem a cidade, ouvem-se risos disfóricos de euforia, uma criança chora exigindo a seus pais uma playstation, outra, escondida debaixo da saia da mãe – que tenta a todo o custo vender uns pares de meias – grita mudamente de fome e frio. Todos passam, mas ninguém a ouve ou vê. Há que seguir em frente, há que observar todas as montras, há que olhar bem alto para ver a iluminação da cidade, há que viver o Natal, afinal estamos tão próximos dele…
Até quando? Até quando continuaremos a fechar os olhos ao abandono e à miséria humana?
Somos um país de pioneiros. Temos a maior árvore de Natal da Europa, mas continuamos a viver às escuras; entrámos para o Guinness com bolos, sopas e saladas gigantes, mas continuamos a passar fome, erguemos a maior bandeira humana por uma selecção, mas somos incapazes de sorrir ou dar a mão aos caminham ao nosso lado pelas ruas e precisam verdadeiramente do nosso apoio.
Onde está a grandeza destas acções, se continuamos a viver na vil pequenez? Insustentável pobreza do ser!!
“O oposto do amor não é o ódio, mas sim a indiferença”, por isso chegou a altura de deixarmos de olhar para o nosso próprio umbigo, erguermos a cabeça e estarmos atentos às misérias dos outros, porque contrariamente àquilo que o homem fez do Natal – época de puro consumismo – a festa da celebração do nascimento de Jesus deve ser um momento de paz e união, de entrega e partilha, como diria Voltaire: “Não prestamos para nada se só formos bons para nós próprios.”
Desejo a todos um santo e feliz Natal, e convido-vos, enquanto caminhais, a olhar atentamente para o outro, nem que seja apenas por um segundo… (acredito ainda que o Homem, mudando as atitudes interiores da sua mente, pode mudar outros aspectos das suas vidas).
Cláudia Fonseca