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A História não está feita, faz-se

Dez de novembro de 2015 fica para a História. Por muitas razões.

1. O governo mais socialmente agressivo da história da democracia portuguesa mereceu a lição que levou. Pensava ter licença para um segundo mandato com o beneplácito do Presidente, mas caiu em 12 dias, com o rótulo tirado à sua medida de governo mais curto da história da democracia portuguesa. E assim se fez justiça, não da distributiva, mas da politicamente retributiva.

2. O dia é histórico também para a democracia portuguesa, pois acabou o tabu da governação de esquerda. Surpreendentemente, a reacção da direita, de violentíssimo mal-estar e falta de desapego, deixaram a descoberto o quanto desse tabu se deve, não a bloqueios internos da esquerda, mas a um pronunciado e persistente sectarismo de direita, hábil na encenação de fantasmas que não lembram ao arco da velha, com o intuito de assim conservar para si o poder.

3. A história também se faz por quem sabe estar à altura do momento vivido. Ao serem capazes de convergir, apesar das diferenças, os partidos políticos de esquerda estiveram à altura das necessidades de um país e de uma sociedade brutalizados pela ideologia da austeridade.

4. Não foram tanto os partidos políticos de esquerda que mudaram. O que mudou muito foi o nosso país. Por isso, ao fim de décadas, acabou-se o bloco central tácito, “agora tu, agora eu”, que resumiu o sentido mais básico do que foi o cavaquismo: uma contenção asfixiante da escolha política em Portugal. Cavaco Silva é o maior derrotado deste processo eleitoral. Não é Paulo Portas, cuja necessidade de protagonismo encontrará formas de expressão novas, nem Passos Coelho, que governou como zeloso funcionário a fazer cumprir uma visão que não é sequer capaz de suster como sua.

5. O governo que António Costa se propõe encabeçar com o apoio de uma maioria parlamentar recém-eleita, fará da disciplina orçamental um fim mais genuíno em vez de um pretexto para desviar riqueza e rendimento dos que vivem do trabalho para um sector financeiro que manifestamente viveu acima das suas possibilidades.

6. Um raio de esperança ilumina agora o céu sombrio da União Europeia. Nem o PS é o Syriza, nem Portugal é a Grécia. O PS sempre foi um partido de governo, ao contrário do Syriza. E Portugal, ao contrário da Grécia, não chega aqui com a reputação de enfant terrible. Mas cá como lá a democracia vai dizendo pelos seus meios próprios como a política da austeridade é errada.

7. Por vezes, faz-se História simplesmente porque se consegue que a História se faça. É o caso. Não há inevitabilidades e o futuro só a nós nos pertence.

Por: André Barata

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