Hoje em dia em Portugal, apesar dos problemas com o alojamento, existem
1.65 fogos por família… Este dado será mais preocupante se, nos dermos conta que estamos ainda a produzir muita habitação para hipotéticos compradores que já a têm, ou quando muito tentarão vender a que têm para adquirirem outra, que é suposto ser melhor e mais actual (na solução global, materiais infra estruturas, facilidades, conforto e espaços gerados…) mas quem vai comprar e o que fazer com a existente?..
Quando se fala em reabilitação, devemos ainda ter presente que, contrariamente ao que seria de supor, não são só edifícios antigos (30%) do global) que precisam de intervenção, este conceito é muito mais vasto e engloba por exemplo construções muito mais recentes, uma fatia enorme de 42% de edifícios construídos nos anos 60 a 80 do séc. passado e 28%das construções construídas nos últimos 25/30 anos.
Ora se tivermos em conta que grande parte da habitação é adquirida com recurso a empréstimo com prazos entre vinte, trinta ou mais anos, facilmente percebemos o drama financeiro, técnico e social que temos pela frente…
É uma realidade que o sector da construção civil e obras públicas teve um peso económico relevante nas décadas de 80 e 90, orientado essencialmente para a construção de edifícios novos, predominantemente habitação e novas infra estruturas rodoviárias. Pouco se fez no âmbito da reabilitação, exceptuando a experiência do CRUARB (recuperação da Ribeira Barredo) e mais recentemente o trabalho notável levado a efeito nos centros históricos de Guimarães e Évora e de algumas intervenções POLIS.
Em simultâneo a urgência de habitação, as soluções técnicas, que conduziram ao facilitismo na sua implementação…a falta de planos e de coragem política, a pressão, o desconhecimento e a falta de massa crítica que conduzisse a melhores opções de compra e, níveis mais elevados nos padrões de qualidade, o mercado desregulado, gerando fortunas enormes, conduziram ao crescimento descontrolado das cidades, num efeito donut, esvaziando o centro, obrigando a um consumo enorme de terreno e a trajectos intermináveis entre casa e trabalho.
Identificamos facilmente três problemas: acessibilidades (com o consequente consumo de bens e poluição, o automóvel é de facto na sua curta existência o maior malfeitor do edificado…); esvaziamento da função habitacional dos centros (tornando-se lugares impraticáveis e inseguros, com incidência à noite, após o fecho dos comércios e serviços); e um amontoado de problemas resultantes da falta de qualidade da construção e de soluções urbanísticas (o betão armado assumiu-se como solução de todos os problemas, mas ele, afinal, é também um grave problema, e as soluções construtivas eram sempre primárias pouco se preocupando com conforto de espaço, térmico ou acústico, questões ambientais, de proximidade etc.)
É verdade que, felizmente, na Guarda, não são ainda muito visíveis os efeitos referidos anteriormente. Ainda assim a cidade cresceu demasiado em termos territoriais e os problemas das acessibilidades são prementes, não só em termos de traçado mas, mais gravoso ainda, de falta de qualidade na execução. Também o centro histórico se deteriorou funcional e fisicamente. Assistimos a tentativas de reabilitação, sempre bem-vindas… mas que em abono da verdade demoram e permitem a contestação, o desinteresse e vão protelando, senão mesmo hipotecando, o retorno. Essa reabilitação do centro histórico para ser bem sucedida terá sempre de ser global e privilegiar a diversidade funcional que sempre caracterizou essa área da cidade. A habitação é entre elas, o garante duma vivência continuada. E depois pensem o que é viver em espaços que a história formatou… em vez de viver em espaços que nunca o serão, mesmo que sejam os tão badalados e apelativos condomínios fechados…
Mas os problemas maiores na nossa cidade prendem-se exactamente, com a qualidade sofrível do edificado produzido, nas décadas referidas acima, contrapondo por exemplo à qualidade do edificado anterior à década de 60, o que aliado à quantidade de habitação disponível no mercado, levanta muitas dúvidas para o futuro próximo.
É para mim por demais evidente que a Reabilitação (entenda-se metodologia + conhecimento) enquadrada pelas questões referidas e, por esta realidade que é a cidade como um todo, tem de ser o campo de actuação, no âmbito da construção, social e económico, nos anos que se seguem.
Ao olharmos à nossa volta, também a natureza nos ensina que há sempre um novo ciclo!…
Por: Aires Almeida