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A fuga da Delphi

Editorial

1. Em dezembro de 2010, a fábrica de componentes elétricos para a indústria automóvel Delphi encerrou a unidade da Guarda. Há 10 anos chegou a ter três mil trabalhadores nesta cidade. E um ano antes de encerrar, em 2009, ainda tinha mais de 600 operários. Os últimos 327 trabalhadores que ficaram sem emprego na Guarda receberam uma proposta para irem para a unidade de Castelo Branco. Não houve interessados.

A fábrica da Guarda chegou a ter reputação no grupo, dizem, mas, estranhamente, perante a crise, encerrou. A Delphi mantém unidades de produção em Castelo Branco, Seixal e Braga e um Centro Técnico em Lisboa.

Enquanto na Guarda encerrava, em Castelo Branco crescia. Enquanto na Guarda se reduzia o investimento e se despediam pessoas, em Castelo Branco a multinacional investia milhares de euros no aumento das instalações fabris e contratava trabalhadores.

Em dezembro de 2010, a Delphi de Castelo Branco criou novas linhas, passando a ocupar o pavilhão da antiga fábrica de equipamento de frio Hormigo, propriedade da câmara de Castelo Branco. E aumentou de 800 para 1050 postos de trabalho (contratou 250 pessoas ao mesmo tempo que despedia as 327 da Guarda – que era «a melhor fábrica do grupo» dizia-se na cidade mais alta… (porque “o que é nosso é bom”!).

Entretanto, o volume de negócios da Delphi-Castelo Branco em 2011 cresceu 30 por cento face a 2010. Ou seja, a empresa que não se importou de pagar dois meses de salário por cada ano de trabalho aos 600 trabalhadores que despediu na Guarda, não só registou o crescimento constante que atrás se refere, como agora anuncia a contratação de mais 250 pessoas. Assim, a Delphi vai atingir o número recorde de 1.300 funcionários na sua fábrica de Castelo Branco onde, desde que fechou na Guarda há pouco mais de um ano, já contratou 500 trabalhadores.

O que é que pode levar uma corporação industrial, num sector em crise, mas viável, a despedir pessoas numa cidade onde tem instalações próprias (votadas ao abandono), uma cidade que tem acesso a duas autoestradas e à mais importante ligação ferroviária à Europa, para contratar 500 trabalhadores numa cidade vizinha, onde teve de formar os trabalhadores, investir no aumento da capacidade instalada e ter de receber ajuda da câmara local na cedência de instalações para novas linhas? Porque é que a Delphi não quis continuar nas instalações na Guarda, de sua propriedade, e assim economizar os custos de ampliação fabril e cerca de um milhão de euros de indemnizações? Opções da empresa…

2. O anúncio por Carlos Pinto de que a Vodafone pretende criar um novo centro especializado de telecomunicações na Covilhã é uma excelente notícia. Desde logo, pela putativa criação de cerca de 100 novos postos de trabalhos. Depois, por se tratar de trabalho especializado e devidamente remunerado. E, tão ou mais importante, porque evidencia que num tempo de crise e em que toda a gente anda amargurada e descrente, ainda há investimentos e criação de trabalho. E por último, porque atrair investimento para o interior ostracizado e desertificado é tarefa árdua e meritória. Difícil, mas possível, como estes exemplos evidenciam. Pena que noutros concelhos só ouçamos falar de encerramento, fecho, insolvência, falência, lay-off, fuga, partida, emigração, sobrevivência, desemprego, pobreza… ainda bem que nalguns sítios ainda há função pública, mas sem gente os serviços encerram e os funcionários públicos terão de partir (médicos, professores, juízes, técnicos, escrivãs… todos!).

Luis Baptista-Martins

Comentários dos nossos leitores
antonio vasco saraiva da silva vascosil@live.com.pt
Comentário:
Esta observaçao é justa e muito séria, de alguém que fala com conhecimento feito. As diferenças estão à vista, a Guarda é uma cidade parada no tempo, condenada ao abandono e esquecimento. Não temos quem nos defenda, quem olhe para os verdadeiros problemas desta gente e da cidade. Tínhamos tudo para ser uma das melhores cidades do país, mas estes políticos não estiveram à altura da confiança que lhes foi dada. Tem de haver responsáveis para esta fuga que representava o ganha pão de muitas famílias. Outra fábrica não voltará à guarda e tenho muita pena que tenhamos de imigrar uma vez que não nos resta mais nada. Para quando o salto da cidade dos 5 F’s? Para quando o grito das suas gentes, que devem, e muito, lutar por um lugar que merece e não por um lugar que nos impõem? Viva a Guarda e suas gentes.
 

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