Prossegue hoje, no Tribunal da Guarda, o julgamento da Liga dos Servos de Jesus, à qual Maria de Fátima Diogo exige uma indemnização de cerca de 120 mil euros por ter «frustrado as suas legítimas expectativas de vida» quando a expulsou, em 2001. Na última sessão, realizada na passada quarta-feira, o depoimento da irmã Felicidade, que trabalha no Colégio da Cerdeira, não foi nada abonatório para a ex-serva – o termo freira parece não se adequar ao caso –, apresentada como geradora de conflitos na instituição, abusadora do telefone e frequentadora do café da aldeia.
«A Fátima não se adequava muito bem aos nossos parâmetros, havia algum mal-estar por causa do seu comportamento», começou por dizer a testemunha, admitindo que «ela era boa em relações públicas e ainda é». Interpelada pelo advogado de defesa, Jorge Fonseca, a irmã Felicidade afirmou mesmo que Maria de Fátima foi «chamada à atenção várias vezes», mas que as suas atitudes «contra as regras» não mudaram. E também «dizia mal» de algumas irmãs, exemplificando que chamava «velha ruça» à superiora, a irmã Guilhermina, já falecida. A Liga também não seria poupada, mas as críticas mais pareciam heresias, segundo a irmã Felicidade: «Dizia que a verdadeira Liga devia nascer das cinzas da actual», recordou, estranhando que Maria de Fátima tenha conseguido «aguentar-se lá se não concordava com as regras e punha em causa a própria Liga».
A explicação veio pouco depois. «Nunca houve uma atitude radical de expulsão, porque a irmã Guilhermina era boa de mais», afirmou. Só que, um dia, «por causa das inúmeras queixas», a Liga reuniu extraordinariamente e decidiu afastar a serva. «Não foi expulsa, mas sim posta perante os factos e a rejeição de várias casas», prosseguiu a irmã Felicidade, após insistência do advogado de acusação. Martins da Fonseca estranhou ainda que «só passados 23 anos alguém deu conta que Maria de Fátima não se adequava às regras da Liga» e ainda conseguiu da testemunha uma confissão, segundo a qual as superioras do Colégio da Cerdeira foram «criticadas» por pais e responsáveis da Liga por não terem tomado aquela decisão «mais cedo». Ao lado do seu advogado oficioso, a visada, que mais parecia estar a ser julgada, foi tomando notas.
No final, classificou de «coisistas» as acusações que lhe foram feitas, sublinhando que as testemunhas da Liga «não conseguem provar um acto concreto e real» do seu alegado comportamento. «Mesmo que eu tivesse cometido um disparate, era mais uma razão para serem humanas e acolhedoras. Onde está o perdão que apregoam?», perguntou. Aos jornalistas, Maria de Fátima considerou ter sido vítima de «um atentado à pessoa humana», lamentando que haja, na Liga, «uma consciência moral mal formada e pouca abertura aos tempos actuais». E exemplificou lembrando que quis cursar assistência social em Coimbra para «servir melhor a instituição e a comunidade». Mas isso não foi aceite. «Aliás, qualquer proposta mais inovadora que fizesse não era aceite», lamenta.
«Produziu riqueza para a Liga»
A indemnização reclamada é o montante a que Maria de Fátima Diogo, de 53 anos, considera ter direito, «tendo em conta que trabalhou gratuitamente para a ré nos melhores e mais produtivos dias da sua vida, produzindo riqueza para a Liga que, assim, viu aumentado o seu património», lê-se na pronúncia. Este é um julgamento inédito em Portugal e só foi possível após recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), que reconheceu a competência de um tribunal cível para apreciar o pedido da antiga serva da Liga. Até essa decisão, divulgada em 2006, a instituição foi absolvida na primeira instância, uma sentença confirmada pela Relação de Coimbra, com o argumento de que o caso deveria ser julgado num tribunal eclesiástico. O caso remonta a 31 de Março de 2001, quando Maria de Fátima Diogo, que trabalhava no Colégio da Cerdeira, foi expulsa da Liga, após quase 23 anos de serviço.
Luis Martins