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A fama que vem de longe

Editorial

1. Uma declaração de princípios: sou anti-cavaquista. Se o homem que raramente se engana e nunca tem dúvidas diz uma coisa… eu estou sempre do outro lado. Se ele diz que é bom… é porque é mau, e vice-versa!

Cavaco Silva diz que os cortes dos subsídios de férias e Natal a 440 mil funcionários públicos com salário acima dos mil euros violam a equidade fiscal. Tem razão. Mas há equidade na vida? Há igualdade no tratamento dos cidadãos? E há igualdade na saúde? Os trabalhadores do privado têm ADSE? E as respetivas famílias têm as mordomias que a maioria dos funcionários públicos tem? E nos despedimentos? Saberá Cavaco que em muitas empresas só não se despedem trabalhadores porque não há sequer dinheiro para lhes pagar as indemnizações, e por isso “vai-se andando a ver onde isto vai parar”? Enquanto no Estado o “lugar” ainda é vitalício? E recebem no dia certo antes do mês acabar? Enquanto no privado… Esperam receber todos os meses, seja em que dia for? E que por isso há 10 anos 58% dos portugueses queriam trabalhar para o Estado e que agora são 65%? E que no Estado há milhares de trabalhadores com direito a 27 dias de férias ou até com 30? E que no privado o limite são 25 dias (22 mais três)? E que ainda se podem reformar antes dos 65 anos? Ou que a maioria dos trabalhadores portugueses ganha entre 700 e 800 euros? E que o Estado (todos nós) já não tem dinheiro para pagar os salários da função pública? Pois… O economista de Boliqueime nunca teve de pagar salários e não tem noção do que é passar noites sem dormir quando os bancos apertam e a tesouraria entra em ruptura. O nosso Presidente é um defensor do despesismo e da dependência da coisa pública. Já em 1988, o seu governo, ao aprovar o novo sistema retributivo da função pública, teve a proeza de a transformar na terceira mais cara da Europa (a história não perdoa!). E nesse tempo, que os cavaquistas ainda celebram por ignorância ou pelo mal que desejam ao país, o Centro Cultural de Belém foi orçamentado em seis milhões de contos e acabou por custar 40 milhões de contos – naquele que foi um dos maiores despautérios da administração pública portuguesa e que os jovens laranjas devem desconhecer, porque senão não andavam por aí a pedir responsabilidades criminais aos decisores políticos. E que já em 2005 Miguel Cadilhe acusou Cavaco de ser o principal culpado pelo aumento da massa salarial da função pública, que já nesse tempo representava 15 por cento do PIB, V. Pulido Valente dixit. Isto enquanto vendia a economia nacional à Europa em troca de uns sacos cheios de ecus para fazer obra – aniquilando a agricultura, abatendo a frota pesqueira, abandonando os têxteis… enfim: O “pai do monstro” afinal continua a gostar do Estado obeso. E a gostar de fazer os seus jogos de poder, para nunca ter culpa de nada, ele que é um dos principais culpados pelo estado a que chegámos.

2. No meio do cenário de crescente pobreza do país, é na exportação que assenta a esperança de resgatar Portugal (o resgate do FMI, do BCE e EU é difícil e de uma agiotagem assustadora e pode salvar-nos da morte, mas dificilmente nos ressuscita para a vida se não houver empresas a produzirem mais e a exportarem mais). Por isso, a esperança está nas empresas que conseguem ter a capacidade de produzir e vender lá fora, e nas empresas que se conseguem afirmar num mercado excessivamente global de livre comércio. A abertura da loja Sacoor em Londres (no Westfield Stratford, considerado o maior centro comercial urbano da Europa e um dos principais acessos ao Jogos Olímpicos de 2012) contraria este fado tão portuguesinho e miserabilista de só vermos a desgraça à frente dos olhos. É só um exemplo, entre tantos outros, de uma marca portuguesa, de uma empresa nacional, que tem o discernimento e arrojo de crescer e investir em tempos de austeridade e que, neste quadro negativo, abriu 33 lojas em diferentes cidades do mundo. Em vez de ficarem a olhar para o lado e a chorar, como fazem a maioria dos portugueses, ainda há muita gente com audácia, que não bloqueia, nem desiste perante as contrariedades e o desacerto de um país que vive obcecado pelos cortes em vez de trabalhar mais e ser mais criativo para surgirem novas receitas. É deles que o país precisa. E o interior… ainda mais.

Luis Baptista-Martins

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