1- Portugal encontra-se no centro de uma espiral de acontecimentos. No meio deste vendaval, a identidade e os valores norteadores de uma sociedade evoluída perdem-se e tornam-se difíceis de vislumbrar. Escasseiam personalidades com capacidade agregadora que através do seu exemplo consigam mobilizar e credibilizar as instituições que representam. Devido a essa escassez e à desconfiança face à Justiça, surge agora como exemplo, sob uma aura de providencialismo, o juiz Carlos Alexandre enquanto único homem capaz de enfrentar poderosos. Negligencia-se, porém, que entre as características da justiça não devem estar qualidades etéreas.
Este juiz, responsável por processos como a operação Furacão, Monte Branco, Portucale, Face Oculta, BPN, BES, Labirinto e agora o relacionado com Sócrates, concentra em si demasiado poder. Que ninguém pode ou deve deter num Estado democrático. A justiça e o regime democrático não podem estar sujeitos à discricionariedade do entendimento de uma só pessoa, por melhor e mais capaz que ela seja, acabando, tamanha pressão, por desvirtuar as qualidades do respetivo titular. Tal representa a pessoalização do sistema judiciário numa espécie de autocracia penalista.
A desconfiança da sociedade face aos poderes político e judicial contribui para estes fenómenos. Que, na política, podem fazer crescer movimentos populistas e anti sistema impulsionados pela descrença das pessoas relativamente aos atores políticos. E, na justiça, a impulsos justicialistas absolutamente indesejáveis porque desvirtuadores de um Estado que se quer de direito. Porque a lei deve servir o Estado, e não o contrário. E porque “o Estado está acima do cidadão, mas o homem está acima do Estado”.
Isto numa altura em que foram notícia, porque incomuns, as atitudes de um jovem que encontrou uma carteira com 845 euros e a entregou à polícia e a de trabalhadores de uma Câmara que descobriram um depósito de 4.400 euros no meio do lixo e decidiram entregá-lo. O exemplo da honestidade é exceção face à normalização de comportamentos outrora considerados desviantes. Provocando a corrosão dos pilares de uma sociedade que se quer una e o afastamento entre as diferentes classes sociais, cada vez mais distanciadas. Daqui até à queda do regime é um pequeno passo, porque os impérios caem sempre por dentro. Geralmente de podres.
2- A propósito da resposta de Júlio Sarmento ao meu último artigo neste jornal, quero deixar claro que tudo quanto aqui escrevo é da minha inteira e exclusiva responsabilidade.
Não me considerando exemplo para ninguém, não consigo deixar passar em branco que Júlio Sarmento se auto imponha como exemplo a seguir. Para isso serve a história. Por exemplo, Ghandi e Madre Teresa nunca quiseram impor-se como exemplos, mas as suas vidas atribuíram-lhes tal condição. Ao contrário de personagens como Silvio Berlusconi ou Isaltino Morais a quem a história tomou o autoproclamado exemplo de vida.
Em lugar de debitar teorias assentes numa inconsistente base ideológica e em dados económicos desfasados, Júlio Sarmento deveria prestar maior atenção ao mundo real. Dessa forma não terá de ser chamado à razão por um qualquer “rapazola”. Socorrendo-me também de um provérbio, este bem mais prosaico, e cuja origem geográfica desconheço, recordo que “os rapazolas não precisam de pedras quando a árvore caiu de podre”.
Por: David Santiago