Arquivo

A Europa precisa da bússola dos Estados Unidos

Enquanto a Europa segue um rumo lamentavelmente tortuoso, os Estados Unidos voltam a indicar o caminho correto. De um lado está uma Europa anémica e incapaz de retomar o crescimento; do outro estão os Estados Unidos já em plena recuperação económica, ainda que menos robusta do que o desejado. Por cá vigora a bussola do ministro Schäuble e da chanceler Merkel que, neste momento, apenas aponta um caminho: o da vingança.

Apesar de divididos sobre se a Grécia deve ou não sair do euro, ambos coincidem no desejo de punir o ousado governo grego. Merkel e Schäuble dão primazia ao antídoto veiculado por Kissinger, agora não para imunizar contra os perigosos comunistas, mas para tolher quaisquer ímpetos moderadamente keynesianos numa União sublimada pela austeridade virtuosa.

As regras do Tratado Orçamental não se limitaram a esvaziar os diferentes sistemas políticos de argumentos e visões alternativas. Quebraram os laços de solidariedade face aos que pensam diferente e amarraram a esquerda, e a esquerda-liberal (sem representação no quadro político português), à narrativa do caminho único. Veja-se o caso do presidente Hollande e, em menor grau, do primeiro-ministro Renzi.

A corda das regras do Tratado e o nó do diretório calvinista norte-europeu continuarão a sufocar quem proponha caminhos diferentes àquele seguido na pós-unificação alemã, negligenciando-se assim as diferentes especificidades nacionais e estádios de desenvolvimento. O fim da irredutibilidade da pertença à moeda única europeia é uma porta aberta para o fim do euro como o conhecemos. Mais cedo do que tarde. Já ninguém pode assegurar, nem mesmo Cavaco Silva, que de 19 não se passa para 18, 15, ou, em última instância, para um restrito grupo de países com notação “AAA”. Moedas paralelas e euro forte vs fraco são hipóteses reais. A incerteza é agora maior e o incerto “Grexit” parece uma certeza a prazo.

Já os Estados Unidos e o presidente Obama vêm demonstrando que o autoatribuído dever messiânico enunciado pelo presidente Wilson continua – Tea Party e “neocons” à parte – a não poder estar melhor entregue. Primeiro foi o Supremo norte-americano a legalizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo, decretando a inconstitucionalidade de qualquer restrição à igualdade de direitos. Provavelmente uma antecâmara para transformações globais a jusante. Depois consumou-se o reatar das relações diplomáticas entre Washington e Havana e chegou-se a um crucial acordo sobre o nuclear iraniano.

Mesmo criticado pela inação do primeiro mandato, Barack Obama trilhou o caminho do bem-maior. “Obamacare”, direitos dos imigrantes e modernização da administração pública são exemplos disso mesmo ao nível interno. Se o caminho seguido pela Europa é o da progressiva irrelevância. O dos Estados Unidos é o da reafirmação como único ator verdadeiramente global. Quando abandonar a Casa Branca, falar-se-á de Obama por boas razões. Adjetivos bem distintos estão já reservados para Merkel e Hollande. Ausente da bussola ideológica de Bruxelas, parte significativa da população europeia está condenada a seguir o rumo da pobreza.

Por: David Santiago

Sobre o autor

Leave a Reply