Sempre me meteu imensa confusão ver pessoas cujo objetivo é esperar que o “ceifeiro” um dia os venha chamar.
Os bancos de jardim das nossas cidades estão cheios deles, mas também as aldeias e vilas em desertificação e que deixaram para trás os seus idosos e reformados em casa, na rua ou em lares.
Há pessoas que morrem em vida ou que vivem mortos. Pessoas que tendo tudo para viver abdicam dessa enorme oportunidade e vivem esperando pela morte. Não sabemos que traumas, vivências, personalidades têm ou tiveram, mas levantarem-se todos os dias para encetarem uma rotina de tédio absoluto é o máximo a que podem aspirar no resto dos longos dias que ainda terão por cá. Não há ninguém que os salve? Alguém que os abane e lhes diga que há que dar um pontapé no marasmo? Estou a falar de pessoas completamente válidas e independentes ou com um bom grau de independência. Mete-se comigo… Provavelmente estarei a falar de cor. Corro esse risco. Não me revejo em qualquer deles, provavelmente tenho a ilusão de que vou pedalar o resto dos meus dias, aspirando o ar puro e fresco das madrugadas de verão ou traçar objetivos de conquista de cidades por essa Europa ao volante de uma bicicleta. Isso sou eu a projetar. Pode ser que o destino me esteja a reservar outros planos, mas não quero saber. Eu sei o que não quero fazer e isso é esperar pela morte, desistir de viver estando razoavelmente saudável antes ou após a reforma. A revolução nos cuidados médicos aumentou-nos a esperança de vida com alguma qualidade um par de décadas. O que vamos fazer com tanto tempo depois dos filhos terem batido asas? Há tanta coisa.
Não ignoro que a depressão é o maior inimigo da felicidade. Sei que é um poço que nos suga as energias e a vontade de viver e da qual não saímos sem ajuda, mas não é dessas pessoas que estou a falar. Estou a falar de gente cujo objetivo diário é levantar, sentar, comer, sentar, ver a vida passar, sentar, comer e deitar. Muitos são novos velhos, outros são velhos novos e outros são mesmo velhos.
Como me dizia um amigo aquando da polémica acerca da eutanásia, há imensa gente que teria todas as razões para desistir de viver e ser feliz por estar numa cadeira de rodas, por exemplo, e que não o faz porque, após ter ultrapassado a fase da negação e da revolta, consegue traçar novos objetivos de vida e vivê-la em pleno, mas há, no entanto, outros cuja forma de viver é uma afronta àqueles pelo desperdício de tempo em que transformaram os seus quotidianos num marasmo sufocante.
O que é a vida? Há quem viva três vidas numa, há quem vá vivendo, há quem sobreviva e há quem nunca viva. Em que grupo o leitor se inclui? Sei que difere de indivíduo para indivíduo o que significa viver, mas há certos padrões de comportamento, certas atitudes para com o outro, certos brilhos no olhar (ou a sua ausência), certas expressões corporais que indiciam se alguém é ou não minimamente feliz e se tem ou não vontade de viver e de disfrutar, na certeza, porém, de que o apoio de uma família estruturada e presente será à partida a maior garantia de que ninguém se transforma num espectador da sua própria vida. O ser humano é iminentemente gregário, precisa de interagir, de se expressar junto de outros, por isso temos religião, futebol, festas, concertos, jantares, churrascadas e outras oportunidades de estarmos juntos, mas também gostamos de estar sós, não tem nada de mal, é até saudável, o que já não me parece saudável é a repetida vontade de alguém estar só, isolado por opção, sozinho por convicção, a ver os carros passar, à espera de viver.
Por: José Carlos Lopes