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A Espanha dos impasses

Theatrum Mundi

Após esgotados os prazos constitucionais, Felipe VI não teve mais remédio senão convocar novas eleições legislativas, ou gerais, como se chamam em Espanha. Desde 1977, a formação de governo tinha sido tarefa relativamente simples para os vencedores das eleições, mesmo quando os resultados ficaram aquém de uma maioria absoluta. O sistema eleitoral favorece a representação dos partidos nacionalistas, bascos e catalães que, por várias vezes, conseguiram assumir o papel de charneira na política do estado espanhol, negociando ora à esquerda com PSOE, ora à direita com o PP. A capacidade de negociação e acomodação de interesses entre partidos estatais e partidos nacionalistas foi, até 2015, um dos fatores mais importantes da estabilidade política em Espanha, e não deve surpreender que seja agora também um dos fatores de instabilidade.

A convergência dos partidos nacionalistas em torno de um projeto único de Estado espanhol foi sempre periclitante e assente na capacidade de negociar vantagens adicionais de autonomia, sobretudo financeira e linguística, que pouco a pouco foram sendo ressentidas pelas chamadas comunidades autónomas não históricas em nome da solidariedade e equidade das relações dentro do estado democrático constitucional. O esgotamento desta relação foi acelerado com a crise, a partir de 2007. O fim da bonança do governo de Zapatero e a necessidade de implementar uma disciplina fiscal vigiada de perto por Bruxelas deixaram o governo catalão de direita sem grandes alternativas senão juntar-se à esquerda nacionalista na exigência de maior autogoverno.

Os consecutivos bloqueios do governo e do tribunal constitucional de Madrid às iniciativas legislativas do parlamento de Barcelona, o mais importante das quais em torno do estatuto político catalão, juntaram irremediavelmente as principais forças políticas nacionalistas em torno da rutura e da criação de um processo constitucional próprio. As eleições regionais catalãs de 2015 deram maioria de representantes aos nacionalistas. Contudo, a formação do governo esteve presa, até ao último momento, das negociações com a candidatura de unidade popular (CUP), o que mostra que o projeto nacionalista é tudo menos uniforme e sujeito aos seus próprios impasses.

Com o voto fragmentado nas eleições gerais de dezembro de 2015, pela emergência de novas forças políticas e o descrédito dos dois partidos tradicionais de governo, os partidos nacionalistas catalães poderiam ter jogado, mais uma vez, um papel decisivo na formação de governo. Numa altura de menor polarização nacionalista isso certamente aconteceria, e o PSOE teria reais opções de formar maioria com Podemos, Esquerda Unida e Esquerda Republicana da Catalunha. Na atual conjuntura, porém, seria suicidário para os socialistas sequer sentarem-se à mesa com formações independentistas, o que fechou as portas à solução tradicional para alcançar uma maioria parlamentar. Qualquer aproximação aos nacionalistas catalães exigiria pactuar um processo aceite pelo Estado espanhol para a independência da Catalunha.

Esgotadas todas as possibilidades de negociação entre formações políticas, novas eleições gerais vão realizar-se no próximo dia 26 de junho. As incógnitas são mais que muitas mas a principal será, certamente, se será possível desfazer os impasses e o que farão os atores políticos daqui até junho para o desfazer. Muito se joga nos dois planos, o do Estado espanhol e o nacionalista. No primeiro, e considerando quase impossível uma maioria absoluta, a disputa é pela liderança das esquerdas e das direitas. O processo é mais dinâmica na esquerda, e o recém-alcançado pacto entre Podemos e Esquerda Unida pode relegar o PSOE para um lugar secundário na esquerda espanhola pela primeira vez desde 1977. Para os nacionalistas catalães, comprometidos com o processo de rutura com o Estado espanhol, o dilema começa a ser o de participar ou não participar nestas eleições gerais. Sem vontade de contribuir para uma maioria de governo em Madrid, sem esperarem recompensas políticas de uma futura negociação, sem sequer quererem contribuir para legitimar o processo político de um Estado que já não reconhecem, os nacionalistas também não querem deixar o espaço do debate democrático à mercê da direita e dos socialistas catalães.

Por: Marcos Farias Ferreira

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