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«A emigração pode ser uma reflexão para cada um de nós»

Cara a Cara – Joaquim Tenreira Martins

P – Conte-nos como foi a sua vida enquanto emigrante, quem é o Joaquim Tenreira Martins neste mundo da emigração?

R – Em primeiro lugar, eu não sei se sou emigrante ou não, sou residente no estrangeiro e sou funcionário público, servi o estado português durante 40 anos. Fui para a Bélgica em 1972, em condições um pouco rocambolescas. Estive no seminário do Fundão e mais tarde no da Guarda. Fiz Filosofia e Teologia. Ingressei numa congregação religiosa. Trabalhei em Setúbal durante dois anos, numa fábrica de automóveis. Fiz serviço militar, fui para Mafra, fiz a recruta, depois calhou-me a especialidade de atirador e formei o meu pelotão no BC-8 em Elvas. Fui mobilizado para a Guiné para substituir um alferes que tinha sido morto num rebentamento de uma bomba. Cheguei à Bélgica com o curso de teologia, mas não podia fazer nada porque não sabia fazer nada, e lá trabalhei durante quatro meses. Arranjei trabalho num restaurante e depois na construção civil como pintor. Não percebia nada disso mas aprendi. Em quatro meses ganhei para todo o ano, tinha não sei quantos francos belgas, uns 40 ou 50 mil francos. Tirei lá um curso de assistente social. Os consulados naquela altura renovaram-se todos, porque houve um movimento de contestação relativamente à maneira como estes estavam a atender os emigrantes, e as pessoas pediram ao conselho da revolução para para multiplicar os mesmos. Desta forma, precisaram de um assistente social e concorri. Como tinha feito uma dissertação sobre uma experiência de animação entre os emigrantes portugueses, estava preparado para isso. Fui então nomeado como delegado da secretaria de estado da emigração, em 1975. Mais tarde, em 1992, este instituto desapareceu. Nas reformas que se fizeram em Portugal, suprimiram-no porque tinha uma função social, de apoio às pessoas de proximidade. Neste momento as pessoas chegam lá com vários problemas. Já me aconteceu várias vezes ter que por dinheiro do meu bolso para dar a pessoas que não têm dinheiro para vir ver a família a Portugal. O Estado Português não tem sido sensível as estas dificuldades porque, no fundo, os nossos portugueses voltaram a emigrar. Reformei-me há um ano e meio, em dezembro de 2014.

P – Como foi estar em Bruxelas e ver aparecer as novas gerações?

R – Agora a emigração são os filhos de pessoas que vão procurar trabalho para outro sítio. Não são pessoas da aldeia, pessoas que têm a necessidade absoluta de sustentar a família. Agora são jovens diplomados em todas as áreas, médicos, enfermeiros, engenheiros, jornalistas. Já têm outra mentalidade, são mais exigentes, compreendem melhor as coisas, e encontram trabalho facilmente se tiverem uma qualificação. Há muita gente licenciada em Relações Internacionais e aí é difícil encontrar. Por vezes dizia às pessoas «eu cheguei aqui com quase 27 anos e não tinha nada, comecei a estudar». Os meus pais diziam que não me iam deixar nenhuns terrenos, mas que iam deixar um curso. A função dos estudos é de facto isto, a ascensão social. Podemos ter uma ascensão social através dos estudos. Na Bélgica há falta de licenciados no domínio do ensino. As pessoas licenciadas em matemática facilmente encontram trabalho. Aqui, são despedidas.

R – Para alguém que partiu de Portugal há 40 anos, como é que olha para esta situação do país ter que voltar a deixar partir os seus jovens?

R – É uma tragédia para todos nós e para Portugal. Mas pode ser também uma reflexão que cada um de nós faz. Eu também a fiz e pode ser até uma oportunidade. As pessoas caem em si e dizem «Portugal não tem futuro», muitas vezes eu ouvi isso. Portanto, o meu futuro é aqui, na Europa. Hoje, da França até Lisboa é um “saltinho”, comparado com o Canadá com os Estado Unidos, que são 10 horas de viagem. Agora há viagens “low cost”, deixou de ser uma tragédia e tornou-se numa oportunidade e as pessoas compreendem, refazem a vida lá. Acho que neste momento, com as novas tecnologias, como o “Facebook”, a comunicação torna-se fácil.

P – Continua muito ligado à comunidade portuguesa em Bruxelas?

R – Não muito. Quis virar a página. Muitas vezes o embaixador chama-me e eu gosto imenso de dar o meu apoio, mas acho que já dei aquilo que tinha a dar e é preciso dar também lugar aos outros.

P – Nos últimos tempos qual era a sua função?

R – Estive no serviço social e jurídico na embaixada. Ali não temos consulado, é uma secção consular de uma embaixada, que tem o serviço de ensino, o consular e o social e jurídico.

P – Do que se trata o seu último livro, “Visages de L’Émigration Portugaise”?

R – Resolvi escrever este livro porque recebi imensas pessoas, pobres e ricas, visitei presos, constatei dificuldades nos relacionamentos familiares. Não havia nenhum dia em que eu não tivesse um novo problema e era isso que me entusiasmava no meu trabalho. Por vezes vinham ter comigo a pedir-me trabalho e, de facto, arranjei muitos. Tentava resolver da melhor maneira as questões.

P – São retratos de emigrantes, algum deles é também o seu?

R – Não, são vivências de pessoas. Não se tratam de relatórios mas sim de ficção. Apesar de ser sociólogo e já ter feito trabalhos no domínio da sociologia, não quis faz mais nada sobre isso e, como tal, lancei-me na ficção. Fiz um estudo sobre os acordes da emigração entre a Bélgica e os diversos países, e não foi lido. Sobre este, contrariamente, as pessoas que o leem têm-me enviado e-mails a dizer «escreveu um livro tão lindo, é algo para chorar e rir. Trata-se de diálogos vivos, com citações que nem imaginava…».

P – Só está editado em França? Pretende editá-lo em Portugal também?

R – Sim, é uma aposta, pois é em Paris que estão os emigrantes portugueses. Sobre editá-lo em Portugal, talvez. Gostava de ter uma boa editora aqui, que pudesse divulgar algo novo. Comecei a fazer ficção sobre a América Latina, quando reuni uma série de escritores, que nessa altura ainda não eram escritores, e lançámos um desafio a nós próprios: escrever ficção sobre a realidade para que a ficção fosse mais real do que a própria realidade. O objetivo passava por fazer com que as pessoas começassem a ler mais. Esta obra é feita para a segunda e terceira geração, para os meus netos, para perceberem um pouco a realidade. Trata-se de um diálogo, um olhar, um enternecimento, um encontro humano, e é isto que pretendo transmitir.

P – Acha que as novas gerações ainda têm alguma relação com o país de origem dos avós?

R – Eu tenho uma fé que é o que acontece com as outras emigrações, por exemplo dos Estados Unidos da América, relativamente à Irlanda, da Argentina relativamente à Itália. Estou convencido que os meus netos ou os filhos deles virão a Vale de Espinho. É a minha perceção.

P – Quando falamos com essa segunda e terceira geração, percebemos que não têm interesse em regressar a Portugal. Acha que se trata de uma questão cultural?

R – Não vale a pena falar em regressos, pois cada um tem a sua vida. Nos anos 90 a expressão era apenas “regresso”. Portugal estava em pânico por causa disso, e Maria Manuela Silva fez um estudo sobre os portugueses regressarem a Portugal na ordem dos 500 mil por ano. O país estava alarmado com isso. E hoje acho que “panicamos” muito e isso também tem acontecido com a geração que está a sair do país. Mas é a vida.

P – Acha que a história da emigração ainda está por fazer?

R – O filme “A Gaiola Dourada” retrata um pouco essa história. E a segunda e terceira geração vão ter muita gente que se vai debruçar sobre o tema da emigração, certamente. O meu livro está relacionado com a minha experiência. Acho que no cinema também vão aparecer inspirações de casos. Cada um fará essa história conforme a sua sensibilidade e motivação. Eu oriento-me com o método socrático, do filósofo Sócrates. Emprego no livro a arte maiêutica. No entanto, na realidade as coisas são muito diferentes. Esta obra quis proporcionar uma relação humana totalmente distinta. É uma maneira diferente de escrever, uma forma mais ficcional de contar as vivências. No primeiro trecho menciono “Vidas em tom menor”, é como o fado, é bonito e triste mas não é desesperante, proporciona uma certa serenidade.

Perfil:

Autor do livro “Viagens na minha infância – Lembranças Romanescas”. E acaba de editar “Visages de L’Émigration Portugaise”

Naturalidade: Vale de Espinho, Sabugal

Joaquim Tenreira Martins

Sobre o autor

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