Em 1930, Ortega y Gasset publicou o seu livro mais famoso: “A rebelião das massas”. É impressionante a atualidade de algumas das suas intuições. O objetivo de Gasset era fazer um diagnóstico do “nosso tempo”, da “vida atual”.
Para Gasset, o facto característico, o mais importante da vida europeia, é o advento das massas. A rebelião das massas consiste na obliteração das almas médias. O homem-massa não é tonto; ao invés, tem ideias taxativas sobre tudo, perdeu o sentido da audição, não tem referências, não respeita nada nem ninguém, não tem interesse nenhum pela história – segundo Gasset, é a história que nos distingue dos outros animais ao permitir-nos não ter que começar sempre do zero. O homem-massa só tem direitos e nenhuma obrigação, e está muito satisfeito consigo próprio. É um menino mimado. Isto leva à barbárie no sentido literal do termo: ausência de normas e de possível recurso. Gasset define ainda a subespécie dos “bárbaros especialistas”, pessoas que, por dominarem uma pequena parcela do saber, falam com petulância e autoridade sobre tudo o que desconhecem.
Gasset achava que viver é “sentir-se fatalmente forçado a exercitar a liberdade, a decidir o que vamos ser neste mundo”. É, pois, falso dizer que são as circunstâncias – as possibilidades do mundo – que decidem. Pelo contrário: “as circunstâncias são o dilema, sempre novo, perante o qual temos de decidir. Mas é o nosso carácter que decide.”
Esta ideia aplica-se também à vida coletiva. As escolhas feitas pela sociedade dependem do seu carácter ou do tipo de homem dominante nela. No nosso tempo, domina o homem-massa: “é ele quem decide.”
Especialmente nos países em que o triunfo das massas é mais evidente (nos países mediterrânicos segundo o autor), a vida política é vivida ao sabor dos acontecimentos diários. O poder está nas mãos dos representantes das massas. Estes são tão poderosos que aniquilam qualquer oposição.
O poder público, o governo, vive sem programa de vida, sem projeto. Não sabe para onde vai, porque, em rigor, não vai a lado nenhum, não tem um caminho definido, uma trajetória percetível. Este poder público não evoca o futuro, refugia-se no presente e assume que o seu modo anormal de governo é imposto pelas circunstâncias. Isto é, pela urgência do presente e não por avaliações em relação ao futuro. Daí que a ação do poder público se reduza a esquivar-se dos conflitos e problemas de cada dia ou de cada hora. Não se trata de resolver os problemas, trata-se de escapar aos problemas de cada momento. Para o efeito, recorre-se a todos os métodos e expedientes necessários, mesmo que isso implique acumular problemas e conflitos maiores para o dia de amanhã ou para a hora seguinte. O poder público é sempre assim quando é exercido pelas massas: “omnipotente e efémero”. Segundo Gasset, o “homem-massa não tem projetos, anda constantemente à deriva.”
Por: José Carlos Alexandre