Soubemos no fim de semana, através de uma investigação do Expresso e da SIC, que há mais de 500 clientes do BPN com dívidas superiores a meio milhão de euros em incumprimento total. Estarão em causa três mil milhões de euros. Os maiores devedores são empresas e offshores ligados ao grupo SLN. Em particular, uma empresa de Emídio Catum e Fernando Fantasia (que pertenceu à comissão de honra de Cavaco Silva).
Estas dívidas são às três sociedades veículo criadas pelo ministério das Finanças, que deixaram para o Estado os problemas do BPN (o que se safava ficou para a SLN ou foi privatizado). Como grande parte destas dívidas correspondem a garantias insuficentes ou nulas, é provável que este dinheiro nunca venha a ser pago. O buraco totaldeixado pelo BPN pode chegar aos sete mil milhões de euros.
Uma dívida de três mil milhões, dois terços do que o governo quer cortar em educação, saúde e reformas. Sete mil milhões de buraco, quase o dobro.
Bem sei que o primeiro-ministro disse que ninguém ficará de fora dos sacrifícios. Mas num País que se leve a sério ninguém pode descansar enquanto todos os responsáveis por estes negócios não estiverem atrás das grades. Numa democracia madura ninguém pode aceitar qualquer sacrifício enquanto os que enriqueceram e deixaram esta cratera para os contribuintes pagarem tivere uma punição exemplar. É inacreditável, mas um dos principais arquitetos desta monumental vigarice é conselheiro próximo do primeiro-ministro e os restantes, com exceção de Oliveira e Costa, andam por aí. Só que até pagarem tudo, cada cêntimo que eu dê ao Estado é um cêntimo a mais.
O burlão da ONU e o seu estatuto
O caso de Artur Batista da Silva foi usado pelos defensores da austeridade e ignorado pelos que a criticam. Usado por jornais e televisões que não o entrevistaram e motivo de vergonha para os que lhe deram tempo de antena. Mas talvez o mais interessante, na história deste burlão, seja mesmo a de mostrar que a credibilidade dos “especialistas” escolhidos pela comunicação social e em tantos debates que se organizam deve ser relativizada.
Batista da Silva não era observador das Nações Unidas, não estava ligado ao PNUD, nunca foi consultor do Banco Mundial e não é professor de Economia Social da Milton Wisconsin University, que na realidade já nem existe. Até os seus cartões de visita eram falsos. E, no entanto, foi entrevistado em vários órgãos de comunicação social e foi orador num debate organizado pelo International Club de Portugal sobre a crise europeia. Não sei exatamente onde começou o fio desta meada. Sei que houve um momento qualquer em que o burlão ganhou o estatuto de especialista e a partir daí subiu na escala mediática.
Imaginemos então que Batista da Silva era mesmo o que dizia ser. Consultor da ONU, professor em Wisconsin. O que passávamos nós a saber sobre a sua competência técnica? Nada. Apenas lhe acrescentaríamos um estatuto que afinal usurpou. Os jornalistas que o entrevistassem, os organizadores de debates que o convidassem provavelmente saberiam o mesmo sobre ele e sobre a sua competência: também nada. Como as opiniões que deu eram essencialmente isso – opiniões – e não informações técnicas, o que valiam elas?
Vejamos: Vítor Constâncio é ou não é vice-presidente do BCE? Vítor Gaspar foi ou não foi um alto quadro daquela instituição? António Borges foi ou não foi responsável do FMI para a Europa? Álvaro Santos Pereira foi ou não foi professor na University of British Columbia?
E o que acha, cada um de nós, sobre as opiniões que cada um destes senhores tem sobre a crise? É que eles têm, para nós, uma particularidade: conhecemos o seu percurso, as suas posições e os resultados dos seus atos. Ou seja, conhecemo-los para além do seu currículo e do seu estatuto presente ou passado. O seu estatuto não é uma mera assinatura num cartão de visita. Tem, para nós, uma história. E isso é que é relevante.
Não desvalorizo, ao escrever isto, a importância de uma carreira ou de um cargo. Apenas recordo que, sendo a economia uma ciência política, o estatuto não chega para dar um carimbo de verdade ao que alguém diz e escreve. Até se pode ser burlão com cartão de visita verdadeiro. Porque este debate, o da crise europeia e portuguesa, não é essencialmente técnico. É político. Como se pode ver ao observar o desempenho em funções políticas de alguns dos técnicos encartados que referi.
Talvez este burlão nos tenha dada uma oportunidade: a de dar menos importância ao estatuto de quem fala e um pouco mais de atenção à racionalidade do que se diz. Um disparate não deixa de ser um disparate se for dito por um economista. Uma verdade não passa a ser mentira se for dita por alguém sem estatuto técnico e com algum estatuto intelectual. Talvez não seja assim com a astronomia. Mas quando falamos de grandes opções políticas, o cartão de visita, verdadeiro ou forjado, serve de pouco. Não há consultor que nos salve da falta de visão política.
Por: Daniel Oliveira