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«A Covilhã tem tudo o que é necessário para ser uma cidade de cultura»

Cara a Cara – Francisco Mota

P – Porque decidiu lançar este projeto de teatro-musical e agora revista?

R- O fim das marchas populares na Covilhã tornou-me órfão. Eu queria deixar fluir a minha criatividade e alguma loucura e, de repente, deixei de ter como. Penso que o término desta atividade cultural/recreativa foi mesmo das piores decisões que se tomaram na Covilhã, afetando inclusive o associativismo, que é uma verdadeira escola de vida. Como sou enérgico e sempre tive a paixão pelos musicais, pensei – com algum receio, confesso – que poderia desenvolver algo parecido na minha coletividade, o Oriental de São Martinho. Lancei mãos à obra, sempre com a ajuda preciosa e insubstituível da Tina Barata e, de repente, o que começou como uma brincadeira tornou-se um caso sério de sucesso. Jovens que passaram pelos nossos espetáculos descobriram talentos e sonhos, e alguns já partiram rumo a essa paixão, o que é um enorme orgulho! Quanto à revista, ela é o género mais genuíno do teatro popular português e neste momento apeteceu-me fazer algo parecido. Temos que estar atentos porque existem “públicos” e não “público”, além de que me irrita alguma “pseudo- intelectualidade” vigente, que é completamente vazia! 

P- Qual é a sua inspiração?

R- A maioria das pessoas pensa que é o encenador Filipe La Féria, o que não é de todo verdade, pois seria redutor e deixar-me-ia limitado em termos de criatividade. Seria sempre a cópia (boa ou má) “de”… E não é isso que eu pretendo. Claro que o admiro, pela sua garra e pelo enorme profissionalismo que coloca nos seus espetáculos. Mas também gosto do Trevor Nunn, por exemplo, embora, sinceramente, a minha inspiração esteja em todo o lado: num filme, num livro, numa música, numa boa peça de teatro e até nas ruas. Adoro observar as pessoas e muitas vezes penso: o que estarão a sentir? É essa tradução de sentimentos que me provoca a maior inspiração.

P- Que apoios têm recebido?

R – Há um enorme apoio que recebemos em cada espetáculo: o público que esgota o Teatro Municipal da Covilhã e paga o seu bilhete. São eles que alimentam este sonho! Com o anterior executivo camarário foi assinado um protocolo para o espetáculo “Uma Viagem à Broadway”, que foi apresentado cinco vezes na Covilhã. Para “Uma Revista em Dois Tons” houve a cedência gratuita do Teatro Municipal por parte da Câmara e um apoio monetário da União de Freguesias da Covilhã e Canhoso. Como já não sou presidente da direção do Oriental de São Martinho, a parte da gestão financeira deixou de ser da minha responsabilidade direta. Eu apresento a ideia e respetivo orçamento aos atuais dirigentes e são eles que decidem se posso ou não avançar. Obviamente que tenho tido todo o apoio. Não caindo na “subsidiodependência” e sabendo também dos constrangimentos financeiros atuais, penso que as autarquias deveriam olhar para estes projetos com alguma sensibilidade, apoiando-os e incentivando-os.

P- Neste último espetáculo trabalharam com quantas pessoas e quanto

tempo levou a ser preparado?

R- “Uma Revista em Dois Tons” foi o espetáculo com menor duração de ensaios (6 meses) e trabalhámos com um elenco de 30 pessoas, além de 16 músicos da fantástica orquestra da EPABI – Escola Profissional de Artes da Covilhã, dirigidos pelo professor Carlos Salazar. Tivemos também o apoio de três grandes músicos: João Paulo Cunha (piano), Hugo Ramos (guitarra portuguesa) e José Luís Cleto (viola de fado). 

P- “Uma Revista em dois tons” apresentava algumas críticas à política

nacional, mas também do concelho. Como foram recebidas pelo antigo e

pelo atual presidente da Câmara?

R- Infelizmente não posso responder a esta pergunta porque nenhum assistiu às duas representações já realizadas. No entanto, tenho a maior consideração por ambos e acredito que iriam rir-se das piadas políticas locais. A crítica social e política faz parte da tradição da “revista”. E fui muito brando… Espero ser mais corrosivo num próximo espetáculo! 

P- Desde 2009, ano em que apresentaram o primeiro espetáculo, como têm sido recebidos na Covilhã? As pessoas aderem?

R- Estes espetáculos tornaram-se verdadeiramente um fenómeno de popularidade. Nascemos timidamente e estamos a crescer ainda com algumas lacunas, o que é normal. Somos um grupo amador e orgulhamo-nos disso. Amador é alguém que ama, por isso não poderíamos sentir-nos mais felizes. Ainda há pouco tempo um turista de Lisboa que assistiu ao nosso espetáculo me confidenciou que não esperava ver algo com tanta qualidade. As pessoas aderem massivamente e já esperam pelo próximo espetáculo do Oriental de São Martinho.

P- Já há novas ideias? Para quando um próximo espetáculo?

R- Iniciámos recentemente os ensaios de um espetáculo juvenil, que deverá estrear no início do próximo semestre. É um hino à fantasia e à magia. Quem gostou de “Uma Viagem à Broadway” vai ter uma surpresa… No entanto, entrei naquela fase de loucura intensa e já “subiu à cena” na minha cabeça aquele que poderá ser o grande espetáculo de 2016. Uma revista musical, onde pretendo juntar, pela primeira vez, artistas profissionais e amadores. Será uma grande produção, a todos os níveis. Oxalá consigamos financiamento e que o Teatro Municipal da Covilhã já possa receber condignamente um evento com estas características.

P- Como vê o panorama cultural da Covilhã?

R – A Covilhã tem imensas associações com uma atividade riquíssima, para além de companhias profissionais no teatro, na música e agora mais recentemente no ballet. Tem inclusive uma licenciatura em Ciências da Cultura na Universidade da Beira Interior. Primeiramente, há que revitalizar (como referi na questão anterior) o Teatro Municipal. É um edifício belíssimo e que merece ser a casa da cultura de todos os covilhanenses, mas não tem neste momento as mínimas condições. Tudo o que se faz naquele palco acontece como por milagre. Depois, há que colocar toda esta massa criativa em ação, trocando sinergias, por exemplo, criando e fomentando uma agenda cultural. Tenho a certeza que a Covilhã reúne tudo o que é necessário para ser uma cidade de cultura.

Perfil:

Idade: 37 anos

Profissão: Técnico de Formação

Naturalidade: Covilhã

Currículo: Aos 13 anos obtém uma menção honrosa no concurso literário juvenil da série “Uma Aventura”, da editorial Caminho; Coordenador das marchas populares do Oriental de São Martinho (1º Prémio em 2004, 2005 e 2006 – escalão adulto – e 1999 – escalão júnior); membro da Direção do Oriental de São Martinho durante 17 anos e presidente da direção em 2012 e 2013; autor dos espetáculos musicais “Contrastes” (2009), “Cantiga da Rua” (2010), “Uma Viagem à Broadway” (2012), “O Regresso a Uma Viagem à Broadway” (2013) e “Uma Revista em Dois Tons” (2014); participou na 1ª Antologia de Poesia da editora “Universus” e na coletânea de contos “Na Corda Bamba” da editora “Pastelaria Studios Editora”; Técnico de Formação desde 2000.

Livro favorito: Todos de José Saramago, “Histórias da Loucura Normal”, de Charles Bukowski, e “Guerra e Paz”, de Tolstoi…

 

Filme favorito: “A Cor Púrpura”; “Billy Elliot”, “Cinema Paraíso”, entre tantos outros.

 

Hobbies: Leitura, cinema, teatro, música e caminhar.

Francisco Mota

Sobre o autor

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