A semana passada o Observatório de Ornitorrincos não foi publicado. As teorias da conspiração não demoraram. Terá O Interior sofrido pressões do Governo para suspender a publicação da coluna? Terá o colunista sido atropelado numa arruada do Bloco de Esquerda? Ou ter-se-á asfixiado com a democracia? Os extraterrestres, em conluio com a Maçonaria e subsidiados pela Opus Dei, terão realmente uma base espacial no glaciar de Manteigas? E as obras de Carlos Pinto conterão todas elas símbolos que formam uma mensagem sobre o fim do mundo (ou pelo menos a ausência do Observatório de Ornitorrincos)?
(Nota: Estas duas últimas perguntas são também os enredos dos próximos livros de Dan Brown.)
Infelizmente esta frase e a próxima começam com advérbios de modo, o que não sendo proibido pelos doutores Sá Nogueira e Lindley Cintra, era fortemente criticado por uma professora que tive na escola secundária. Infelizmente, dizia eu – e dizia mal, segundo essa professora –, o primeiro-ministro não fez pressão nenhuma para esta coluna acabar. Embora eu tenha sido tão maledicente e persecutório como Manuela Moura Guedes era no Jornal Nacional de Sexta, ou José Sócrates anda desatento à imprensa regional ou há aqui uma questão de estilo. Também não peço ao líder do governo que me instaure um processo-crime. Até porque o tribunal me fica fora de caminho. Mas uma pressãozita sobre a administração, caramba! Um telefonema ao senhor engenheiro. Um mail ao director. Não custava nada. Assim se prova que para o governo português há maus jornalistas de primeira e maus colunistas de segunda. Razão tem o Jerónimo de Sousa quando diz que há favorecimento de alguns em detrimentos dos outros. Camarada, se eu pudesse, desta vez votava CDU. (Não posso porque a hipermetropia e o astigmatismo que me obrigam a usar óculos desde pequenito afectam sobretudo o olho esquerdo e no boletim de voto só consigo ver os partidos à direita. Lamento, mas é uma condição de saúde, e já sabemos que com a saúde não se brinca. A não ser o Serviço Nacional da dita. Esse pode brincar com a saúde. Com qualquer Serviço Nacional também não se pode brincar, que o engenheiro Sócrates e o doutor Louçã não gostam e eu estou aqui a queixar-me de não ser pressionado, mas uma coisa é ser pressionado, outra é ser apertado. Adiante.)
O Observatório de Ornitorrincos a semana passada não foi transmitido e eu gostava de dizer que a culpa foi do Governo, mas estaria a mentir. Mas posso insinuar. “Só se fossem muito estúpidos é que a direcção do jornal me tiraria da penúltima página. Se algum dia não virem lá o meu texto é porque aconteceu alguma coisa.”
A verdade é que aconteceu. De quem foi a culpa? Obviamente do engenheiro Sócrates, que me deixou em estado trémulo depois de debater com o Francisco Louçã no dia em que devia ter escrito o Observatório da semana passada. A razão é simples. Ainda não tinham decorrido dez minutos, já eu estava de cachecol do PS ao pescoço e gritava “força”, “dá-lhe” e “boa, pá” a cada estocada do secretário-geral no programa do Bloco de Esquerda – que curiosamente quer proibir as touradas. Ora desejar uma vitória de Sócrates, ainda que apenas num debate e apenas contra Louçã – no debate com o líder comunista estive claramente do lado do meu homónimo, ainda que apenas pelo estilo cool – devastou-me toda a auto-estima e levou-me parte do salário em terapia.
Senhor engenheiro Sócrates, desejo-lhe muitas felicidades como deputado a partir de Outubro, mas não pode fazer este tipo de pressão psicológica sobre as pessoas. Anda um tipo meses a maldizer, a bota-abaixar, a atacar pessoalmente e o senhor vem à televisão discutir com o líder do Bloco de Esquerda, defender os PPR (que eu não tenho) e as famílias (que também não). Instala-se a confusão mental: apoia-se o socialista revolucionário ou o socialista do teleponto? Isto não se faz com gente séria. E comigo também não.
Por: Nuno Amaral Jerónimo