Arquivo

«A Comurbeiras é uma ficção e não tem sentido nenhum»

Manuel Frexes, presidente da Câmara do Fundão

P – Quais as opções estratégicas para aquele que será o seu último mandato?

R – Assentam em quatro pilares fundamentais. O emprego é o primeiro, nomeadamente através da criação de mais dois parques industriais, o da Gardunha Sul e o de Silvares, numa lógica de descentralização do território. Outro aspecto que temos vindo a fomentar cada vez mais é a agricultura. As pessoas acham que a agricultura é um beco sem saída, mas isso é completamente falso. Se ainda temos alguma competitividade e se marcamos a diferença com outras economias é precisamente na questão da indústria agro-alimentar e da agricultura, onde temos uma oportunidade única, porque temos produtos que são competitivos em qualquer parte do mundo. O segundo pilar é a Acção Social. Hoje, estamos numa situação muito complicada de emergência social e temos muita gente excluída e a viver mal. Temos uma população cada vez mais envelhecida e frágil. Por isso, vamos alargar a rede de lares do concelho que, neste momento, está a avançar para que consigamos uma cobertura universal. A terceira grande aposta é simultaneamente no ambiente e na qualidade de vida. Diz-se normalmente que os fundos comunitários não devem ser encaminhados para situações como o saneamento, as acessibilidades ou o abastecimento de água porque, supostamente, já temos isso feito. Isso não é verdade e em Portugal há ainda muita coisa por fazer, mesmo ao nível das necessidades básicas. Depois, há toda a área da inovação e das novas atribuições, como a valorização dos nossos activos ambientais como são, por exemplo, a Serra da Gardunha, o rio Zêzere e os recursos naturais que têm que ser preservados e, ao mesmo tempo, reorientados para um fim também económico no âmbito do turismo de natureza e patrimonial. A Educação é o quarto pilar. Além do ensino tradicional, vamos tentar conseguir que o Fundão tenha uma Escola Superior de Turismo e, simultaneamente, criar melhores condições educativas e também orientarmo-nos para a educação não formal que pode passar pelos doutoramentos, estágios e muitas situações novas.

P – Qual a actual situação financeira da autarquia?

R – É difícil. Qualquer autarquia que tenha tido uma estratégia de desenvolvimento e de investimento vive com dificuldades. Até porque o estado do país e o apoio da administração central às Câmaras tem sido cada vez mais reduzido, o que cria estrangulamentos cada vez mais fortes. Por outro lado, defendo que as autarquias não podem subir os preços como a administração central. O Governo sente dificuldades, sobe os impostos ou as contribuições. Esse não é o caminho. Não posso estar a subir a factura da água sempre que tenho dificuldades. Ao contrário do que dizem alguns, os serviços prestados pelas autarquias não têm apenas um valor economicamente sustentável. Têm que ter também um valor socialmente sustentável. Defendo, por isso, que devemos ter preços mais baratos ao nível destes bens. Tenho muita relutância em aumentar estes bens apesar da enorme pressão, designadamente das operadoras e dos sistemas multimunicipais, que ainda recentemente, segundo estudos de que tive conhecimento, podiam chegar a aumentos do dobro neste domínio e isso é incomportável. Opusemo-nos e continuaremos a opor-nos a isso na Águas do Zêzere e Côa.

P – A Câmara do Fundão está irredutível quanto a esses aumentos?

R – Não aceito mais aumentos. Há um parceiro – o Estado – que está fora desta discussão e que tem que ser chamado à responsabilidade, pois limitou-se a criar um sistema multimunicipal e pensou que tinha resolvido o problema. Mas isso não é verdade, já que um dos grandes constrangimentos financeiros que vivemos é exactamente a factura pesada que pagamos ao nível dos serviços básicos. Temos o lixo e a água mais cara do país e ainda querem aumentar esses serviços para o dobro, quando o litoral paga menos de metade. Defendemos que tem que haver uma tarifa nacional e que esta região seja financiada através dela, como existe para as telecomunicações e para a energia eléctrica. O que foi instituído na nossa região é um modelo que nos empobrece.

P – Vai cumprir a ameaça de abandonar a empresa?

R – Houve uma Assembleia-Geral (AG) na semana passada muito curiosa. O que disse foi que iria pedir a insolvência da empresa no caso de querer aumentar as tarifas. Tenho dito que não podemos pagar mais porque, se fizesse repercutir a factura que a AdZC nos coloca nos ombros dos munícipes, estes tinham que pagar a água ao triplo ou quádruplo do preço que a estão a pagar actualmente e isso é incomportável, especialmente em situações de crise. Este ajustamento tem que ser feito lenta e gradualmente, não pode ser subitamente. O Fundão – e creio que todos os meus colegas estão na mesma situação – não está em condições de suportar aumentos dessa natureza. Portanto, se a empresa não consegue o seu equilíbrio financeiro com as tarifas que tem, que já são as mais altas do país, então das duas uma: Ou vai à procura de ajuda noutro lado, isto é do Estado, que virou as costas, ou então tem que fechar. Eu asseguro que presto o mesmo serviço no meu território e que tomo conta das infraestruturas da AdZC aqui instaladas, que consigo operá-las e continuar a fornecer um serviço de qualidade e com a mesma capacidade. O que é certo é que na AG, o presidente das Águas de Portugal pediu a suspensão deste ponto e tempo para falar com a ministra, o que significa que alguma razão nós teremos.

P – Qual é a dívida do município neste momento?

R – A nossa dívida ronda os 70 milhões de euros, fruto do esforço de investimento que fizemos, mas não queremos ficar amarrados a ela. Queremos continuar a poder investir.

P – O que espera da oposição neste mandato?

R – Acho que as oposições nos municípios, de um modo geral, são uma coisa estranha. Aqueles que são poder num lado defendem um caminho que é contestado pela oposição e ao lado, exactamente nas mesmas circunstâncias, as forças partidárias, só por estarem alteradas, defendem o contrário, o que significa que não há coerência de um ideário. O PS critica-me muitas coisas que, ao lado, defende, o que é uma coisa estranhíssima. Portanto, não espero muito.

P – Vai continuar a apostar na cereja como produto de referência e de vitalidade económica?

R – Vai continuar até porque é o “ex libris” do Fundão e o símbolo mais visível da nossa estratégia. A cereja é a parte que as pessoas se apercebem, mas toda a estratégia está fundamentada nisso e é importante quando falo na vitalidade da agricultura e na aposta no “cluster” agro-industrial. Temos uma feira só para o queijo, temos a festa da cereja e lançámos um produto novo, a Festa dos Míscaros, cuja primeira edição trouxe logo dezenas de milhares de visitantes ao concelho. Temos o azeite, o linho, as Aldeias Históricas, as Aldeias de Xisto. Ou seja, criámos redes de afirmação de produtos baseados na nossa entidade e características, porque é isso que faz a diferença. Defendemos a trilogia baseada num território, num produto e numa marca. É nela que assenta toda a nossa afirmação. Não basta apenas ter produto ou território, é preciso haver marcas de notoriedade e de qualidade. Hoje, quando se fala na cereja do Fundão, as pessoas associam-na logo a elevadíssima qualidade. Quero o mesmo com todos os produtos endógenos da região.

P – Considera que a “A Moagem” é uma aposta ganha?

R- Indiscutivelmente. Actualmente, “A Moagem” é a grande referência da actividade cultural do Fundão e da região. É um local de encontro por onde têm passado milhares de visitantes e é um espaço múltiplo que tem desde o serviço de restaurante, bar, até ao serviço de lazer e entretenimento, passando pelo turismo, congressos e actividade cultural.

P – A experiência com a Fundão Turismo tem sido positiva?

R – Muito! Se houve um desafiador na região que pôs em causa a inércia e a falta de estratégia foi a Fundão Turismo, a primeira a definir um caminho, um plano estratégico, um conjunto de acções e a procurar financiamentos para esses projectos. Aliás, só ouvi falar em plano estratégico por parte da entidade que deveria ter essa obrigação depois da Fundão Turismo ter divulgado o seu. Há seis, sete anos, o presidente da Região de Turismo, que, com ou sem truques, ainda continua o mesmo, disse-me que a vocação da nossa região era a neve. Hoje em dia ninguém acredita nisto mas na altura era uma verdade insofismável e incontestável. Saímos da Região de Turismo quando o ouvi dizer isso porque o meu negócio não era a neve, que é um conceito redutor de turismo. Tanto que a nossa estratégia foi 365 dias à descoberta, turismo todo o ano. Actualmente, temos turismo em domínios que quase não se falava como na natureza, ambiente e gastronomia. Temos pessoas a visitar o concelho todos os dias e achamos isso natural, mas não era assim há bem pouco tempo.

P – Valeu então a pena sair da Região de Turismo?

R – Valeu porque a Região de Turismo nunca trouxe nenhum valor acrescentado. O que beneficiaram a maioria dos municípios da região, tirando a questão da neve e da concessão da Turistrela? Como é que uma suposta entidade que promove o turismo não promoveu um evento que fosse e, de facto, não tinha uma atitude, como não tem hoje. Continua a ter um papel abúlico, redutor, não dinamizador e excluídor, porque o que interessa é perpetuar-se à frente da organização, não é chamar vontades. Não se pode construir uma região sem que os seus principais agentes políticos não estejam envolvidos.

P – Em que pé está a contestação aos estatutos do Pólo de Turismo?

R – Veio agora uma decisão sobre a providência cautelar já fora de tempo, mas a acção principal continua, tal como a nossa posição. Queremos fazer parte e contribuir para a região, mas tem que ser em pé de igualdade e imparcialidade, não no actual figurino que nos parece profundamente ilegal por fazerem parte da Assembleia-Geral (AG) e participarem nas decisões pessoas que delas beneficiam. Isto não é permitido em nenhum modelo de organização, porque o há-de ser nesta sub-região da Serra da Estrela? Só para que continue a contar com os votos da meia dúzia de amigos que Jorge Patrão designou para a AG?

P – Continua a defender a criação de um grande pólo urbano no interior, juntamente com a Covilhã?

R – Continuo e acho que já não é uma questão de defesa, é inexorável. Sei que há quem fique susceptibilizado por termos esta visão, especialmente as capitais de distrito, mas o Fundão e a Covilhã juntos constituem o maior pólo habitacional do interior. Portanto, vamos continuar a desenvolver e a caminhar nesse sentido. Vai ser uma realidade, pode é demorar mais ou menos tempo consoante a administração central olhe para esta região. Se as políticas mudarem, e espero que isso aconteça, porque é a única forma de puxarmos este país para cima, então vamos ter que investir no interior, em Castelo Branco, Fundão, Covilhã e Guarda. O futuro passa por aqui e pelo aproveitamento das potencialidades desta região e da ligação à Europa. Vai ter que haver cidades e pólos de desenvolvimento fortes e o Fundão e a Covilhã constituem uma das principais fortalezas que vamos ter aqui, porque ainda conseguem segurar as pessoas, emprego e criar riqueza. No futuro, a grande cidade do interior será Fundão-Covilhã juntos, como se chamará não sei.

P – O Fundão entrou na Comurbeiras numa fase posterior. Acha que foi a melhor opção para o concelho?

R – Não. Acho que a Comurbeiras nem sequer é uma opção, é uma ficção e não tem sentido nenhum. Faz sentido numa lógica de investimento e de juntar NUT’s para que possamos aceder aos fundos comunitários. Agora sob uma lógica mais vasta, de ter um papel político, acho que é ridículo pela simples razão de não haver identidade de pontos de vista político entre as duas NUT’s porque estamos a excluir outras NUT’s importantes.

P – E em termos de futuro, vai virar-se mais para o Norte ou para o Sul?

R – Para a região e a região para mim é o Centro. Neste momento, defendo cinco regiões. A mais difícil é a nossa por ser a mais heterogénea. É engraçado. Somos o “cimento” do país, mas é precisamente por isso que temos menos subsistência em termos da nossa entidade. É um problema que se reflecte nos distritos e nas cidades. A regionalização é absolutamente indispensável neste momento. Aliás, creio que se transformou quase numa necessidade nacional, porque é a única forma de conseguirmos dois objectivos. O primeiro é a repartição dos recursos de forma equitativa, pois não faz sentido que paguemos todos impostos e que eles sejam gastos em Lisboa. A segunda é a de reequilibrar o país.

P – Que marca gostaria de deixar neste mandato?

R – É muito difícil eleger uma, mas a principal talvez seja a de ter colocado o Fundão no mapa.

P- Vai cumprir o mandato até ao fim, tendo em conta que não se poderá recandidatar daqui a quatro anos?

R – Essa é uma experiência nova na democracia, que implica a perda de capacidade política no último mandato. Já disse aos meus colegas que, dentro de dois anos, o nosso poder vai diminuir paulatinamente sem darmos conta. Nessa altura, todas as pessoas, dos colaboradores mais próximos aos munícipes, vão olhar-nos como se fossemos objectos do passado e vão querer saber quem é o próximo e isso criará um fenómeno de ajustamento curioso. Neste contexto, acredito que em muitas situações possa haver algumas baixas antes de se atingir o final do mandato, mas também defendo que é dever e preocupação de quem está no poder preparar o futuro e a sucessão de acordo com o superior interesse público e municipal.

P – Nesse sentido, qual será a sua posição?

R – Não sei se irei até ao fim. Tenho estado a trabalhar nessa preparação da sucessão. No primeiro ano quero deixar as marcas do rumo e das linhas gerais de orientação bem definidas para que decorram sem grandes dificuldades até final do mandato. Sinto que, provavelmente, o meu dever principal será preparar o lugar para o futuro em vez de estar concentrado em mim.

P – Quem poderá ser o seu sucessor?

R – Neste momento é óbvio. Supostamente, o sucessor natural será o meu vice-presidente, Paulo Fernandes, mas isso não depende apenas de mim, nem dele. Depende de muitas circunstâncias.

«A Comurbeiras é uma ficção e não tem
        sentido nenhum»

Sobre o autor

Leave a Reply